domingo, 22 de dezembro de 2013

A ORDEM NATURAL DAS COISAS

Atendi uma senhorinha, passada alguns anos dos oitenta. Nem parecia ter tal idade. O semblante era tranquilo, mas o olhar denunciava uma tristeza profunda. Apesar disso estava animada com a chegada do Natal e sentenciou de saída que a vida é ir tocando em frente – como diz a canção; “penso que seguir a vida seja simplesmente compreender a marcha e ir tocando em frente”.

A tal senhorinha chegou dizendo que precisava ver o coração, se estava forte ainda, depois de tanto tempo. Comecei a fazer o exame e enquanto isso procedia minha anamnese para ajudar num possível diagnóstico. Enquanto via imagens de um paciente saudável, até surpreendentemente normal para aquela idade, e transmitia a boa notícia ela seguia contando sua história.

Já foi logo dizendo que o coração só parecia normal. Que o visto por fora nem de longe exprimia o que ia lá por dentro. Dizia carregar no peito um sofrimento tão imenso que por vezes sentia estar para explodir. Existem coisas na vida que marcam tão profundamente que mesmo com o passar dos anos não é possível apagar. Pode ser que a cicatriz vá ficando menos profunda, mas desaparecer é um luxo inatingível. E foi assim que a senhorinha me contou que existe uma ordem natural das coisas e que subvertê-la é ruim e em geral injusto. Há um fluxo natural que se perturba facilmente, é verdade, mas há também uma incapacidade humana de controlá-lo, ainda que na maior parte da nossa existência ostentemos a ilusão de fazê-lo. Ao longo de suas mais de oito décadas havia experimentado aquela sensação de ter o chão desaparecendo sob seus pés diversas vezes. O estranho (ou maravilhoso) é que nem por isso estava imune a novas tormentas, não tinha blindagem contra o sofrimento e vivia sempre os acontecimentos de uma forma diferente, com um olhar pueril. É bem verdade que a longa experiência de vida lhe facultava uma forte dose de resiliência, mas ainda assim sentia o impacto. Foi dessa forma quando o filho mais novo morreu em seus braços, de uma doença, segundo ela, de velho. Como é que podia aquilo? Os pais verem o filho partir. Definitivamente não é natural. E não importa quantos outros filhos se tenha, quantos anos se passe, para ela é como se tivesse sido ontem, na mente e na pele.

Eu, tão pequenininha naquela hora, reduzida diante da maturidade daquela senhorinha, daquela narrativa que tanto apertava meu coração de mãe, o que tinha a dizer? Desapareceu a cardiologista, ficou ali simplesmente a mulher, me agarrando nos meus mantras íntimos pessoais para alento nas horas difíceis “andar com fé pois a fé não costuma falhar”; “o senhor é meu pastor e nada me falta”. Não posso e nem me atrevo a imaginar que dor é essa de perder um filho, e permanecer de pé, a despeito de amargá-la (sem  contudo  se tornar amarga) todos os dias. É um dos encantos da minha profissão de lidar com gente e se deixar tocar por elas e por seus relatos de vida. E que força desse ser que passei a admirar em poucos minutos, se alegrando com o Natal, ressaltando que é o momento em que mais sente alívio de suas próprias dores por saber que tantos já passaram por dores piores e renasceram de alguma forma, que no fundo tudo tem um propósito.

Pensei tanta coisa para confortá-la, porém no final quem me confortou foi ela – “sabe aquela canção, minha filha, ela continua; ‘cada um de nós compõe a sua história e cada ser em si carrega o dom de ser capaz de ser feliz’”. 

domingo, 8 de dezembro de 2013

MULHERES EM ALERTA




Um grupo de humoristas de Mumbai, o “All India Bakchod”, lançou este vídeo após um estupro coletivo na Índia ano passado. Na época as velhas proposições de culpabilidade da vítima foram ditas por pessoas importantes no país, o que suscitou muitos protestos. O vídeo usa a ironia para refutar estas opiniões conservadoras, as quais mostram que estupro não é apenas uma violência interpessoal, mais que isso, um tipo de crime com cunho social. Parece coisa lá da distante e populosa Índia, com uma cultura que escancaradamente coloca a mulher em segundo plano, mas é um problema em todo o mundo.

Há cerca de dois anos, após o estupro seguido de morte de uma garota canadense, houve uma declaração cretina de um policial: “parem de se vestir como vadias”. Este episódio deu origem à chamada “Marcha das vadias” que saiu de Toronto para o mundo. O manifesto tocava justamente num ponto que talvez ande por aí no inconsciente coletivo; o de que a mulher talvez tivesse provocado o criminoso, com o uso de determinadas roupas e determinadas atitudes, negando-se todos eles. Nada justifica a violência sexual.

Aqui no Brasil também pudemos testemunhar nossas “pérolas”, como em outubro passado quando do estupro de uma jovem catarinense. Um dos policiais no caso, diga-se de passagem uma mulher, deu dicas de como evitar um estupro;  se mora sozinha, evitar chegar sempre no mesmo horário, fazer caminhos diferentes todos os dias, enfim tentar driblar o marginal.  Apesar de bem intencionadas, estas dicas dão força à idéia de que o crime possa ser evitado pela vítima. Corroboram uma noção de que a potencial vítima poderia ter evitado a violência sexual, motivo pelo qual muitas mulheres deixam de denunciar as agressões. Posicionamentos assim são antigos; desde muito pequenas as mulheres são orientadas a não se expor para não dar espaço a abusos e assédios. De qualquer modo são baseadas na análise da vitimologia e fazem parte das estratégias para prevenção e alerta da população.  Nesse cenário entram diversas questões, muitas reverberadas por autoridades policiais, como culpabilizar a vítima, focar prevenção nela própria, a forma como a mulher ainda é vitimada pelo domínio do homem, aceitar que existam em nosso convívio criaturas capazes de tamanha atrocidade. Retratam o despreparo das autoridades em tratar um tipo de crime tão delicado, muitas vezes praticados por pessoas da família ou muito próximas.

Recentemente estatísticas do 7º Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que em todo o País foram registrados 50,6 mil casos, o correspondente a 26,1 estupros por grupo de 100 mil habitantes. Em 2011, a taxa era de 22,1. O número de estupros é maior que o de homicídios dolosos no período. Reflete, é claro, o maior número de denúncias, em virtude da conscientização popular e das políticas públicas (hoje, com status de ministério, existe a Secretaria de Políticas para as Mulheres), a mudança no código penal que abrange o que deva-se chamar estupro (depois da Lei Maria da Penha qualquer ato libidinoso, mesmo sem conjunção carnal, é considerado estupro), mas ainda são números altíssimos.

Um crime com consequências tão devastadoras nos põe em alerta. Mais uma forma de violência contra a mulher, numa sociedade que padece de tantos tipos de violência. Estranhamente vai na contra-mão da história da humanidade em que mulheres se destacam cada vez mais em diversos papéis, ou por outra, é fruto da guerra dos sexos. Sejam quais forem as motivações, é difícil apontar soluções, mas certamente começam do reconhecimento do problema e perpassam pelo acolhimento das vítimas, lhes afastando a culpa e com isso estimulando as denúncias. Apenas a partir daí os criminosos poderão ser julgados, sendo impedidos de cometer novos crimes, além de coibir potenciais criminosos que muito se influenciam pela crença na impunidade.

domingo, 24 de novembro de 2013

PEDOCRACIA????



Recentemente a psicanalista Márcia Neder, professora e pesquisadora da USP e autora de livros como “Mãe desnecessária”, alcunhou a expressão pedocracia para dar nome ao que ela chamou de reinado mirim, a ditadura das crianças. A autora descorreu sobre o assunto em seu mais novo livro; “Déspotas mirins”, e usa o termo para descrever a mudança de mãos do poder nas famílias atuais, que está frequentemente depositado nas mãos das crianças.

Com o termo pedocracia ela não se refere aos pequenos caprichos, manhas e birras das crianças. Se refere a toda uma cultura em torno da criança, a uma certa idolatria, a uma busca de reconhecimento em que os pais passaram a achar que precisam dar sempre mais bens materiais, pequenas recompensas, sentindo-se sempre em dívida, numa inversão de valores em que não se estabelece claramente quem é o adulto na relação. A autora atribui essas mudanças às novas constelações familiares em que o pai perdeu aquele papel de único provedor ( do lacaniano “declínio da função paterna”) e a mãe saiu de casa para o mercado de trabalho, gerando uma “culpa” pela ausência que acabou sendo compensada pela permissividade, pondo o poder nas mãos dos filhos. Tal explicação de forma alguma encerra a questão; existem vários outros matizes nessa cartela de cores. Paralelo às ditas famílias tradicionais, surgiram famílias monoparentais e homoafetivas, que coloca a criança numa posição em que teoricamente requer uma atenção redobrada, tornando-a o centro do tal poder.

Um outro aspecto é a questão de querer ser amigo e acessível ao filho. Parece que mudou realmente o foco na relação entre pais e filhos. Os pais hoje querem ser amados e aprovados. As famílias de antigamente não tinham isso, os pais queriam obediência, eram seres absolutamente distanciados, o que não acho bom. Por outro lado esses pais eram obedecidos apenas no levantar de uma sombrancelha, dificilmente questionado e com maior possibilidade de manter o controle sobre a educação da criança. A grande vocação das gerações seguintes, no que se refere ao comportamento familiar foi se aproximar dos filhos, desejar dar ao filho tudo que não teve, inclusive não repetir o comportamento dos próprios pais, contudo o que se nota hoje é que por vezes se perdeu o equilíbrio. E de fato é uma linha tênue. Já me peguei em conversar com minhas filhas dizendo “sou sua amiga, mas não sou sua amiguinha”. Elaborar uma explicação pertinente, e convincente, para essa assertiva não é fácil, nem mesmo para um adulto.

Há algo ainda apontado como fator neste cenário, que me toca profundamente, que é a idealização da maternidade. O ideal daquela que abre mão de tudo pelo filho, em torno do qual sua vida gira. Isto vem da nossa natureza, do dom de gerar a vida e da missão de cuidar dela. Embarcar nessa viagem parece natural, o único caminho já que os trouxemos ao mundo, contudo é também uma grande cilada na medida em que abdicamos de nossa vida pessoal. Continuo achando que filhos são prioridade, mas não são a única. Acertar a mão aqui, mais uma vez equilibrar, é imperativo. Ser sim paizão e mãezona, mas se permitir espaço, ter objetivos além da paternidade, ter objetivos em outras áreas. Para nós mulheres é dilema conhecido; não queremos abrir mão da “multimulher”, nem perder a alegria das múltiplas realizações, de conciliar nosso universo interior com família e trabalho. Para os homens talvez seja tudo muito novo, o que à sua maneira também redefine a educação das crianças. E tem nessa idealização o desejo de sempre acertar, não poder perder a cabeça de vez em quando, estar sempre se cobrando. É preciso compreender que tudo faz parte do aprendizado, é possível, mais que isso, humano, errar. A contrapartida é saber reconhecer e voltar atrás.

As cartas estão postas na mesa. Nos compete usá-las da melhor maneira possível. De maneira diferente das relações políticas numa democracia, em que a alternância de poder é bem vinda, na relação com os filhos o poder precisa estar firme em algum lugar, na mão do adulto, servindo como esteio para margear até onde eles podem ir. Eu pessoalmente sou muito do diálogo, acho que se deve dar explicações, mas tudo isso até a página dois. Se a coisa se alonga e meninada resiste, recebe um “é assim e pronto; quem manda sou eu”. 

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

A ARTE DE DIZER NÃO





Nunca queria lhe dizer um NÃO. Até sabia, em teoria, que o NÃO é uma forma de educar e dar limites, mas na hora H, tal qual Takotsubo, meu coração se contorcia...Aff! Que estresse. Ficava imaginando o quanto te amo e não te quero ver sofrer, no quanto você é maravilhosa pra mim e merece tudo de melhor, no quanto a vida ainda vai dizer NÃO então para quê impingir sofrimento desnecessário. Afinal por você faço qualquer coisa. No fundo agradar você parecia a coisa sempre certa.

Apesar dessa sensação tão forte dentro do meu peito, seguia me agarrando ao bom senso de que você realmente precisa de limites para saber até onde pode ir, para saber onde termina seu espaço e começa o do outro, para crescer um ser humano íntegro e com valores. E repetidamente lá estava eu dizendo NÃO pensando SIM. E  mais, com certeza de que tudo era para o seu benefício. E sempre escolhia um NÃO carinhoso, sustentado por justificativas à altura de sua inteligência de criança, firme e acolhedor. Você nunca soube, mas era questão de tempo; se você resistisse um pouco mais estava frequentemente a ponto de ceder. Felizmente segui resistindo. É óbvio que devo ter derrapado algumas vezes, mas fazendo uma retrospectiva acho que foram pequenos e aceitáveis lapsos que não comprometem nosso produto final que é você um ser humano de quem possa se orgulhar e valha a pena.


É verdade que essa resistência de lhe dizer um NÃO ainda me ronda. Verdade seja dita; prefiro se puder ser um SIM.  Mas no dia em que fiquei apavorada com sua reação (mantendo a pose, é claro), trilhei mais uma vez a cartilha de explicar as razões com carinho, acolher suas possíveis recusas e lhe mostrar que estava com você acima de tudo. Esperei uma tempestade e você apenas disse “está bem, mamãe”. Foi o bastante para reconhecer nosso pacto selado muito tempo antes. E acabou sendo você a me ensinar a deixar de ter medo.  Entendi, finalmente, que no fundo você também sabia que o NÃO era necessário e até queria tê-lo para formar sua próprias referências. Concluí que dizer NÃO é uma arte.

domingo, 27 de outubro de 2013

FRANCAMENTE



Fico olhando as relações dos dias de hoje, parecendo que tudo perdeu o encanto. As novas possibilidades tecnológicas nascidas com as redes sociais são bem um retrato disso. É realmente incrível poder reatar contato com pessoas que estão do outro lado do mundo, ao mesmo tempo em que frequentemente é uma grande perda deixar o “tèt a tèt” com quem está ali a poucos passos. O resultado final desta equação muitas vezes é um distanciamento em que a franqueza acaba em segundo plano. Neste ponto vem a pergunta: relações de tamanha superficialidade toleram verdades? Já dizia o poeta Cazuza; mentiras sinceras me interessam. As pessoas em geral não querem saber da verdade, não querem respostas cruas, querem é ser agradadas, e muitas vezes ser agradado passa por ouvir verdades escamoteadas, travestidas de algum pacto subliminar defensivo.

Ser franco a respeito de determinado assunto, dependendo da situação, pode realmente ser um tipo de autosabotagem. Imagine no ambiente hostil das relações de trabalho você dizer abertamente ao seu superior o que acha de sua pretensa boa gestão. Deve ter sido de situações como esta que surgiu a expressão “sincericídio”. A franqueza pode ainda passar por grosseria. O que responder a uma noiva sobre o seu vestido, à beira do altar? Talvez tenhamos que aceitar o fato de que existem mentiras socialmente aceitas, e até bem vindas. Fora que se convive com as mentiras deslavadas e com o mau-caratismo. Aí é um cenário aterrador. De tantas meias verdades se constroem imensos castelos que desabam no primeiro sopro. Parece como se houvessem diversos universos paralelos ou se vivesse numa bola de sabão. Tudo tremendamente frágil onde se transita com total insegurança. Contra essa sensação tão angustiante vale a pena privilegiar a franqueza, poder sentir confiança no outro, cultivar as boas amizades e o amor entre as pessoas. Sob pena de soar piegas, é isto que nos alicerça, nos proteje e torna possível viver nesse mundo. Quero continuar crendo que há uma mágica em se viver e que ainda há lugar sim, para seguir francamente. Lembrei da letra do Rappa, na canção Auto-reverse; “nós estamos na linha do tiro, caçando os dias em horas vazias, vizinhos do cão, mas sempre rindo e cantando, nunca em vão”.


Vamos em frente com esperança, afinal dizer a verdade torna honesta uma relação, e ainda que eventualmente traga danos colaterais, será sempre o melhor caminho. A intenção que existe por trás das palavras pesa muito mais do que as palavras em si. E fique certo de que quando esta intenção é boa, e as palavras são ditas de maneira cuidadosa, a franqueza é absolutamente positiva, algo em que devemos sempre apostar. 

domingo, 29 de setembro de 2013

UMA INSPIRAÇÃO

Uma lembrança ficou na mente, presa com seus poderosos tentáculos, e uma das melhores coisas que lhe aconteceu. A vida até aquele momento tinha sido tão vazia, tão desprovida de emoção e repentinamente a pasmaceira se transformou. Pensando bem, as coisas apenas começaram a mudar quando Hanna se permitiu sonhar e enxergar que muito dessa emoção que tanto desejava é construída por cada um. Viver uma vida com pena de si própria, lamentando cada suspiro não era mesmo um caminho saudável, mas buscar energia para isso sempre foi difícil.

A manhã de sábado parecia normalmente entediante. Acordou tarde, demorou a sair da cama, e na verdade só o fez por conta do interfone. Um certo pacote foi deixado na portaria e a curiosidade a fez correr rapidamente os andares do prédio e correr para abrí-lo. Quem não se animaria com uma bela novidade para dar movimento à sua rotina tão estagnada?  Rasgou a embalagem com tanta pressa sem nem perceber que havia algo escrito nela. Descobriu um livro lindo da capa azul e embarcou em sua viagem.

Conheceu a história de uma adolescente que tratava um tipo raro de câncer. Surpreendeu-se com as inúmeras possibilidades que surgiram à frente daquela criatura de vida aparentemente tão finita. Não pôde deixar de pensar em si mesma, em gozar de boa saúde e ainda assim não dar valor a isso. Passava tanto tempo sentindo-se um nada que não conseguia enxergar as coisas de valor que estavam à sua volta. Tantas vezes sentiu-se pequena diante de tudo, tantas vezes desistiu sem nem mesmo ter tentado, tantas lágrimas derramou por coisas pequenas, tantas vezes se intimidou por obstáculos que jamais pensou em transpor. Se aquela menina, limitada por um torpedo de oxigênio, viveu seu pedaço de vida de maneira tão plena, amou e foi amada, do que não seria ela própria capaz? Em algumas horas leu o volume inteiro, aquele tipo de literatura que gruda igual a chiclete, e tomou coragem para retomar vários planos engavetados. Aquilo tinha sido tão tremendamente inspirador que chacoalhou de verdade suas emoções. A poesia dessa transformação é ainda maior; poucos dias depois a embalagem amassada do tal livro ainda estava no cesto de papéis, e algo escrito desta vez chamou atenção. O pacote era endereçado a vizinha da frente. Reembalou o livro, desculpou-se pelo ocorrido e entregou-o à verdadeira dona para seguir sua jornada de encantamento sobre alguns. Voltou a dançar, demitiu-se finalmente daquele emprego que lhe sufocava, retomou velhas amizades e se abriu a um novo amor. Era o impulso que nem percebera faltava.  Apenas um toque, uma constatação de que tudo de fato “vale a pena se alma não é pequena”, um olhar mais generoso, a consciência de uma força interior que sempre está lá basta manter a posse dela.

É possível encontrar essa inspiração onde menos se espera. É preciso estar atento e se permitir. Ninguém anda por aí dizendo que a vida é fácil, que tudo nela é suavemente palatável. Muitas vezes ela nos tomba tão intensamente que levantar parece impossível, mas somos capazes de seguir levantando sempre, e depois de cada tropeço o couro vai ficando mais curtido, e se resiste mais, ergue-se mais rapidamente e o melhor de tudo, aprende-se a evitar muitos dos tombos.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

UM LUGAR PARA AS FRUSTRAÇÕES



Frustração é definida como emoção que surge quando não se alcança algo almejado, do que se pode concluir que a vida é cheia de frustrações, pequenas ou grandes, pesarosas ou insignificantes, mas invariavelmente presentes. De fato não é sempre que se alcança um objetivo, e a maneira de lidar com isso é que difere as pessoas; sofrer mais ou sofrer menos é questão de ponto de vista, onde entra a resiliência ou flexibilidade, capacidade adaptativa para mudar o caminho, encontrar um lugar para as frustrações.


“Alguns infinitos são maiores que outros”.  E como Hazel Grace, personagem de A culpa é das estrelas, se aproxima do Poetinha – “que seja infinito enquanto dure”. Falam ambos do quanto é valioso viver cada momento intensamente, dar importância às coisas certas, banhar-se de um ânimo sempre renovado e assim dar uma chance para a felicidade. Muita coisa colocada no saco das frustrações é na verdade um olhar equivocado. Se o casamento durou 15 anos, vocês tiveram filhos lindos, contruíram muita coisa juntos e depois cada um tomou seu rumo não há porque dizer que não deu certo. Se não conseguiu entrar no curso que tanto sonhou e usou toda sua energia com um novo plano de vida que está sendo bem sucedido também não há porque dizer que fracassou. Canalizar as potenciais frustrações de maneira produtiva é a única forma de não ser marcado por elas. O contrário acontece quando se encara os obstáculos de forma negativa, tudo isso é descarregado no que não traz um passo adiante (como na comida, na bebida, em qualquer vício, ou até mesmo em culpar as pessoas que te cercam).

Quem sequer insinuou que exercitar esta capacidade de transformar é fácil? Algumas frustrações são como uma rasteira da vida após a qual levantar é um esforço sobre-humano; são paralisantes. É preciso determinação para sacudir a poeira e reerguer-se numa nova ordem. E viver é muito disto, é ter coragem pra mudar, transigir e se libertar das coisas ruins que muitas vezes nos tornam reféns, principalmente dentro de nosso próprio inconsciente. Ter bom humor é fundamental, rir de si mesmo, caminhar com leveza e saber que há muita coisa demasiado pequena para permitir lhe entristecer. E sabe de uma, um bom lugar para as frustrações não é um esconderijo; é onde ela possa ser encarada de frente e destituída de sua pretensa força.

domingo, 18 de agosto de 2013

FALTANDO CONTEÚDO








Impressionante a importância que se dá a certas coisas. Na era das redes sociais então, alguns fatos tomam proporções descabidas. Esta última semana foi palco de um debate escatológico em torno da genitália, mais especificamente dos pelos que a adornam (ou não). Uma questão tão íntima e pessoal passa ao domínio público e suprime tudo ao redor, chegando ao exagero de ser citada como tradução da personalidade feminina.

Modismos chegam em todas as áreas. Na depilação feminina o grito é depilar tudo. Ostentar algum nível a mais de pelos está relacionado a mulheres mais velhas, ultrapassadas. O contrário parece estar relacionado a um ar mais virginal. Mas será possível que até nisso vão meter o bedelho? Tudo tem seguir um padrão? Admirável mundo novo então; todos na linha de montagem. 

Não é de hoje que os pelos pubianos ficam no centro dos holofotes. Nos anos 70 as feministas os cultivavam, juntamente com os pelos das axilas em sinal de maturidade e independência, uma vez que eles surgem na puberdade em sinal justamente de maturidade física e sexual. Trata-se de algo simbólico, emblemático, representado inclusive nas artes – em 1800 o pintor espanhol Francisco de Goya mencionou os pelos pubianos em sua La Maja Desnuda, censurada pela Inquisição, mas foi em 1866 que a Origem do Mundo, do pintor francês Courbet escandalizou o mundo.

De qualquer sorte, é estranho ainda escandalizar, gerar algum nível de polêmica. Parece que a sociedade andou para lugar nenhum. O curioso é que estamos em 2013 e aparentemente mais moralistas do que nunca, a ponto de patrulhar tudo, inclusive a genitália alheia sem o menor pudor. Moralistas com uma falsa moral, absolutamente carentes de conteúdo, e este talvez seja o cerne da questão.

sábado, 10 de agosto de 2013



GRITA, PAI!

Papai acordou gritando. Pensei que era um pesadelo, mas ele disse que não, pelo contrário era um sonho, e agora tinha dado seu grito de libertação. Nada entendi, mas com certeza mamãe entendeu, pois deu-lhe aquele sorriso que só adulto sabe a razão. Continuei por ali para ouvir um pouco mais e tentar descobrir do que papai tanto queria se libertar, e o vi tão feliz que soltei um sonoro grita, pai!

Sobre a tal multimulher já ouvi mamãe falar várias vezes, parece que ela se acha uma, e parece que é legal ser, é tipo uma super-heroína que faz tudo, pensa em tudo e resolve tudo. Quando a professora falou em genética na escola me veio logo o pensamento de que eu também devo ser a tal mulher. Mamãe sempre fala sobre as exigências dessa nova mulher, do quanto os homens precisam correr para está em dia com os novos tempos.

Papai eu vejo sempre dizendo que alcança, mas nunca ouvi ele falar do multihomem. Vai ver não existe nem é genético! Tenho uma vaga explicação para isso; outro dia papai falou “homens são de Marte e mulheres são de Vênus”. Aquilo me assustou num grau! Somos todos extraterrestres? Foi nessa hora que pesquei a dita explicação; homens e mulheres são bem diferentes e entendem o mundo de forma distinta. E ele frisou que os homens, diferente das mulheres, não fazem várias coisas ao mesmo tempo. Eu já tinha percebido isso na escola.

Voltando ao grito do papai e do que ele estava se libertando, a verdade é que as mulheres exigiam muito que os homens mudassem, que fossem pais mais participativos (física e emocionalmente), porém não estavam preparadas para isso. Fiquei meio confusa porque a conversa saiu lá de casa para a sociedade – papai falou que a sociedade ainda não acolhe um homem se envolver nos cuidados dos filhos; para ele me levar ao banheiro no shopping foi uma novela, para tentar trocar minha roupa de balé no vestiário foi outra, para escolher nossas roupas na loja precisou enfrentar a ironia da vendedora. Contou que um amigo, recém-separado, optou por uma coisa chamada guarda compartilhada e a mulher resistiu porque achava que ele sozinho não saberia cuidar dos filhos. Foi quando papai falou de preconceito, que os homens já vinham com carimbo das mulheres, tachados de ausentes ou distantes.

O grito foi porque no sonho papai entendeu (na hora ela falou insight, mas ainda não perguntei o que quer dizer) que aquilo tudo era rótulo e que o amor de pai é diferente de amor de mãe sim, mas é tão incondicional quanto. Daí o grito, de argumentação, de posicionamento, de dizer ao mundo que o novo pai está aí dando a cara pra bater, errando, acertando e aprendendo como todo mundo. Então pulei em seu pescoço e repeti; grita, pai!

sexta-feira, 26 de julho de 2013

O DIA EM QUE KATE FOI PRA GALERA



Esta semana o noticiário não parou de falar no nascimento real. Tudo previsível e até justo, em que pese ser uma desproporcional invasão de privacidade, afinal a monarquia inglesa sempre desperta interesse. E já que o assunto é quase imposto, deliberadamente preferi olhar outro ângulo da notícia; o quanto esse evento na vida da princesa faz com que se aproxime de todas nós simples plebéias.

 Com a chegada do bebê vai ser preciso uma pausa no conto de fadas para lidar com os dilemas comuns aos mortais, que já vem no pacote da maternidade. Toda a avalanche de sentimentos e de dúvidas também batem à porta da realeza, como para qualquer mulher. A tarefa agora é nova, como o é para cada uma de nós; ter uma pessoinha que depende exclusivamente de você, para o bem e para o mal, sentir crescer incondicionalmente o amor e redimensionar as certezas que se tinha. Sai de cena a princesa e  estréia a mãe.

Além da proximidade emocional que experimentamos neste momento, tem o trabalho braçal do dia-a-dia (tudo bem que o pequeno príncipe já deve ter sua própria ala de criados). De qualquer modo ser lançada ao universo das fraldas sujas, do choro à noite, das cólicas e do coração muitas vezes apertado coloca a princesa definitivamente perto, afinal as fissuras no mamilo são pessoais e intransferíveis. 

O imaginário coletivo mantém pessoas como os membros da família real britânica tão distantes, e de fato vivem uma realidade quase que paralela, mas sempre há as interseções onde se vê o quanto têm de humanidade, são pessoas que sofrem, choram e enfrentam problemas como qualquer um. A princesa agora está logo ali, partilhando as agruras e os deleites de ser mãe. E que bom que pode ser assim. A vida é isso!


domingo, 14 de julho de 2013

O SHOW DAS PODEROSAS



“Prepara que é hora do show das poderosas!”. Como diz a letra da música, a mulherada hoje quer e tem poder.  Adotam uma postura  de decisão, querem traçar seus próprios destinos. Eis o motivo de tanto sucesso deste quase grito de guerra em que a mulher está no comando, nada mais atual. Por outro lado os Tons de Cinza viram best sellers, a autoridade masculina levada ao último grau  alvoroça a psique feminina. Dialético sim, mas é essa a mulher moderna, a multimulher.

O fenômeno é quase palpável; a mulher traçou um caminho que revela uma ânsia por ter um pouco de cada coisa, viver com o melhor de tudo. E é absolutamente lícito. Muita coisa que antigamente era natural nas relações tornou-se inadmissível nos dias de hoje, a mulher passou a ter voz ativa em vários aspectos que antes não tinha, segue reivindicando seu direito de decidir, e isso se reflete do escritório ao canteiro de obras, da sala de estar à cama do casal. As estatísticas mostram o quanto estão à frente das empresas e o quanto detém da renda familiar. Há total possibilidade de se realizarem profissionalmente, estarem em postos anteriormente apenas ocupados por homens, decidem quando e com quem vão estar, adiam ou não a maternidade, ou optam por viver sem ela.

O mundo se abriu completamente e as escolhas são infinitas, mas isso tudo não trouxe a satisfação esperada. Que toda mulher quer ser amada já ouvimos de Rita Lee, que também sentenciou - mulher é bicho esquisito. Querem e têm poder mas querem exercê-lo na dita hora certa, sentem uma falta quase pré-histórica da proteção masculina. E não se engane, pois por  falar em pré-histórico, tem hora que querem mesmo é ser arrastadas pras cavernas, ter um homem para tomar as rédeas, sem falar em alguém para abrir a porta do carro, ceder seu casaco numa noite fria, e porque não, pagar a conta. Um amante à moda moda antiga tem sua hora e seu lugar.

E fez-se a confusão. Para eles é claro. Quando ser o quê? Impossível não se remeter a um questionamento freudiano que eternamente povoa o imaginário masculino; afinal, o que querem as mulheres? E se for viável elaborar uma resposta ela está justamente nesta ambivalência. Conquistou-se um espaço social e profissional desenhado pela luta por igualdade de direitos com os homens, consegue-se com naturalidade uma divisão de tarefas no lar impensável há cinquenta anos, viu-se os homens reagirem de maneira positiva, ocupando seu lugar na rotina das famílias e em especial dos filhos, tem-se uma liberdade de escolhas de como e com quem viver. Contudo, a mulher não deixou de apreciar cavalheirismo e gentileza, ainda quer um homem que ame com proteção, resquícios do provedor de outros tempos, machista talvez, mas acima de tudo macho. A mulherada quer que o homem de hoje seja gentil e companheiro, mas tenha “pegada”, tem que ter inteligência para transitar na alternância de poder e saber a hora certa de dominar.

A boa notícia é que o equilíbrio é possível, mulheres e homens expressando sinceramente suas vontades e conseguindo harmonizar tantos anseios, e neste ponto a palavra de ordem é antiga; cada um cede um pouco, tudo em função de algo maior que é estar junto. O verdadeiro poder reside nesta capacidade de transmutar e transcender. 

segunda-feira, 1 de julho de 2013

E SE ELA CHAMAR A BABÁ DE MÃE?




Durante muito tempo esse era o fantasma que mais me assombrava. Ouvir minha pequena cria chamando aquela pessoa de mãe seria como um atestado de minha incompetência em me fazer presente em sua vida. Seria como pagar um preço alto demais pela necessidade de voltar ao mercado de trabalho depois da maternidade e por delegar parte de seu cuidado a terceiros. Seria a prova de que queimar o soutien em praça pública foi a maior bobagem e a conquista da independência feminina não valesse a pena. Esse fantasma não foi de todo ruim. À sua sombra magnifiquei ainda mais a vontade de me desdobrar, de participar da rotina em casa, enfim de tornar o menor tempo disponível mais prazeroso e intenso.

Quantas de nós não viveram um verdadeiro drama ao reestruturar sua casa e sua família para abraçar um novo membro. Depois de tudo planejado, encontrar alguém que vá cuidar do bebê (seja babá, seja parente, seja creche), na hora de colocar o pé para fora de casa depara-se com uma angústia imensa. E vamos seguindo em frente porque não somos as primeiras nem seremos as últimas, a vida continua e temos que tocar em frente, o trabalho não lhe espera, e os filhos crescem. 

A pessoa que cuida do seu filho cuida do seu bem mais precioso, e como tal precisa ser valorizado por isso. Partindo deste ponto você entende que é preciso fomentar uma boa relação entre ela e seu filho, e com todo o resto da família. Eu, que sou dada a dilemas, já me peguei contrariando o raciocínio lógico e tentando manter minhas filhas firmemente atadas a mim.  Tenho certeza que a mulherada entende, pois se cabeça de mulher muitas vezes já foge da lógica, imagina a de mãe. Apesar deste embate diário, a necessidade é imperativa. No meu caso, com muita sorte, entrou nas nossas vidas alguém muito especial que foi construindo laços fortes de confiança e dedicação.

Num mundo ideal essa odisséia seria uma jornada tranquila, mas sabemos que muitos tropeçam pelo caminho. De qualquer modo, saber que o filho gosta de quem cuida dele e mais ainda, que há uma recíproca, é alentador. Ameniza sobremaneira a turbulência da saída de casa e torna a nova configuração familiar muito mais harmônica.

O medo é mesmo aprisionador, mas sinto que me libertei. Minhas filhas nunca chamaram a babá de mãe, apenas porque reservaram a designação para mim. Hoje compreendo que mãe pode sim ter outros nomes. E o que isso me diz é que desempenhamos bem nosso papel de pais quando escolhemos aquela pessoa para multiplicar esse amor. Enfim aprendi  que ouvir minha pequena cria chamando aquela pessoa de mãe seria como um atestado de que ela está bem cuidada.

sábado, 22 de junho de 2013

MÉDICO: PRODUTO DE IMPORTAÇÃO


E ela achou que resolveria o problema com o mais novo produto de importação. Deve estar mesmo “bolada”. Ora, se o problema é a concentração de médicos nos grandes centros , deixando os recantos mais distantes ao “Deus dará”, este precisa ser analisado, em detrimento de medidas paliativas tidas como emergenciais, até porque, produto de importação ou não, pelos mesmos motivos, migrará também.

Importar médicos não é idéia genuína do nosso executivo e pode ser uma forma excelente de intercambio de idéias e crescimento científico. Já foi reproduzido antes em outros países, com alguns exemplos de boa prática e de boa integração, contudo o que se vê é, que como tudo, o exagero e a intempestividade deixa a população mais carente em sério perigo, um verdadeiro cavalo de Tróia. Um estudo no Reino Unido, país com grande experiência no assunto (de cada dez médicos no país, quatro são estrangeiros), mostra que 63% dos médicos que tiveram o registro cassado em 2007 eram estrangeiros, o que é atribuído a dificuldades na comunicação com os pacientes e desconhecimento da legislação do país.

Se cogitar a modalidade de importação já é em grande medida questionável, Trazer médicos sem validação do diploma e sem proficiência no idioma é um absurdo. Lembra aquela história de “medicina de rico para rico, medicina de pobre para pobre”. Uma medicina digamos de segunda classe que se designa aos mais carentes, a título de ser temporário e emergencial.

Obviamente não se pode ignorar a escassez de profissionais nas cidades do interior. Vale ressaltar que a questão não é apenas a distribuição, mas também o número total. No Brasil são 17,6 médicos para cada 10 mil habitantes, número bastante inferior a países mais desenvolvidos (na Áustria esse número chega a ser quatro vezes maior). Ainda assim, a simples importação, sem que se resolva nossos problemas cruciais como as condições de trabalho nestas cidades pequenas, o atrelamento do trabalho do profissional médico à política local, a falta de um plano de carreira e melhores salários. A despeito do número total de médicos formados, a concentração nos grandes centros é o que mais preocupa e distorce o cenário – há uma disparidade urbano/rural e também de regiões do país; no Sudeste são mais médicos proporcionalmente do que no Maranhão, por exemplo, além de 397 municípios brasileiros não terem sequer 1 médico residente. Se as condições de trabalho para o atendimento no serviço público já são aviltantes nas capitais, imagina no interior. E para os profissionais vindouros também não se vislumbra um horizonte dos mais afáveis. Por conta disto já se vez alusão até aos navios negreiros, uma vez que o médico estrangeiro terá que trabalhar onde e quando o governo determinar, com registro temporário de trabalho e a salários definidos ao bel prazer do nosso executivo.

No final das contas repete-se um vício crônico no “Reino da Brasilândia”; atuar paliativamente no efeito, sem encarar de frente as causas, até porque aí o “buraco é mais embaixo”. Ainda não presenciamos o governo capaz de expor a ferida e cortar na própria carne. A tentativa de trazer médicos aos lotes, sem sequer revalidação de títulos é mais um capítulo nessa novela –  tentativa do caminho mais fácil, sem estar preso ao Revalida, o que considera burocrático e rigoroso.

E ela continua achando que resolverá o problema...

domingo, 2 de junho de 2013

SINAL DO CREME





Lá atrás aprendi a identificar sinais e sintomas, e associá-los a determinadas enfermidades. Este traço foi levado da vida profissional para a pessoal, tornando-se quase um desvio de personalidade. Uma vez que  tudo se resume a sinais e sintomas não pude deixar de notar o “sinal do creme”. Ele vai surgindo sorrateiramente, a princípio por um cuidado às vezes excessivo, uma forma de melhorar determinados aspectos físicos, coisa bem discreta, condizente com a juventude plena. Em seguida vai acontecendo um acúmulo por um simples prazer, embora a necessidade de prevenir os sinais do tempo já possa estar presente. E a necessaire vai ficando pequena, e as gavetas no banheiro não comportam mais o estoque. Constrói-se um verdadeiro arsenal. São cremes para gordura localizada, cremes para o rosto, para o dia e para noite, cremes de colágeno e sem falar no inoxidável protetor solar de uso diário. A coisa só piora! Surgem os creminhos para a área dos olhos, os clareadores e os anti-rugas. Ai! Anti-rugas. Eis o verdadeiro significado do “sinal do creme”: o tempo passou! Ou por outra, você amadureceu! (Mesmo que quando você abra o armário do banheiro venha à mente a frase: “ estou ficando velha!”).

Take it easy! Você não está sozinha. Além disso os sinais do tempo trazem com eles marcas do que se viveu, e que bom que tudo tenha valido a pena. Tente colocar um olhar mais lúdico sobre a questão (esqueça por hora os sinais físicos, até porque você tem bastante creme para resolvê-los). A mulher que você é hoje, com todas as conquistas pessoais e profissionais, seus filhos maravilhosos, sua experiência que te livra de muita cilada para asa quais na adolescência você era um alvo fácil. O Estranho Caso de Benjamin Button foi um filme que retratou muito docemente esta questão – viemos e iremos para a mesma situação, não importa que se faça o caminho numa direção ou noutra. Então vamos aproveitar o “tempo de janela” que temos, fazer escolhas melhores e mais conscientes, rir bastante da vida (isso é imperativo pois exercita a musculatura facial prevenindo as tais rugas). Rir inclusive do “sinal do creme” – significa no mínimo que você tem mais grana que na adolescência para sucumbir aos devaneios da indústria da beleza.

domingo, 5 de maio de 2013

VOCÊ TEM FOME DE QUÊ?





Consumir, consumir e consumir! É um apelo quase que irresistível, uma necessidade muitas vezes sufocante de ter cada vez mais. O consumo faz parte do cotidiano da maioria das pessoas, realizado frequentemente de forma impensada, e o que é pior, absolutamente desproporcionada às demandas reais. Falar sobre consumo sustentável, pensar de forma a se harmonizar com nosso recursos naturais, por outro lado, transformou-se até em jargão para alguns, usado de forma patrulhadora. Mas no íntimo de cada um o que verdadeiramente é factível? 

Adotar um estilo mais "low profile" é para poucos, resistir às tendências da moda ou à troca periódica de automóvel mais ainda. O consumo pode transformar-se em algo patológico, contudo ainda que não se enquadre nesta categoria pode fazer reféns facilmente. Mas o que você precisa para viver bem? Você tem fome realmente de quê?

A Revolução Industrial redesenhou o mundo que conhecemos. O maior acesso aos bens de consumo, juntamente com a globalização das informações e a publicidade persuasiva modificou de forma irremediável as relações ente desejo e necessidade. Somos tomados de assalto pelos  lançamentos, utensílios de última geração, a ditadura dos produtos de beleza e muita novidade que promete mais conforto. Tudo isto é importante para fazer girar a economia e aumentar o desenvolvimento das nações, o que é um avanço social, porém o exagero é deletério por vários motivos.   A supervalorização dos produtos coloca em outro patamar a busca pelas realizações pessoais no âmbito afetivo e intelectual. O consumo sem consciência repercute no planeta pelo aumento exponencial do lixo, sobretudo o lixo eletrônico. É difícil resistir, todo mundo gosta do que é bom, mas chegou-se a um ponto em que repensar este modo de vida tornou-se imperativo. 

Não que precisemos viver de forma espartana, contudo o excesso definitivamente não é saudável. E o quanto as pessoas se deixam levar por essa avalanche materialista influencia as relações interpessoais de maneira negativa. Avalia-se o outro pelo que ele possui e pode consumir, muito mais do que pelo que ele é. Superficializa-se a convivência humana de modo a perder de vista a essência do que nos torna plenos e felizes. E quando peneiramos tudo o que consumimos em nosso dia-a-dia fatalmente nos deparamos com coisas extremamente supérfluas, sem as quais viveríamos tão bem ou melhor. Se o exame de consciência for mais profundo, fica latente que precisamos de poucas coisas para viver bem, muito menos do que vamos acumulando ao longo da vida. Não precisa nem falar nas questões existenciais, do quanto é mais valioso ver seu filho crescer forte e feliz, se realizar profissionalmente e viver em harmonia com quem lhe cerca. Uma simples pergunta já ajuda a refletir; eu trabalho para quê? Morar e comer bem, dar uma boa educação para os filhos, viajar. A maioria de nós se diria satisfeito com esta resposta.. E porque seguimos comprando, comprando e comprando? 

Certamente a resposta está vindo paulatinamente e essa mudança tem tudo para ser uma constante. Aos poucos descobrimos o que é felicidade para cada um, e saciamos nossa fome de bem estar, com suficiência material, mas sem excessos. 





quinta-feira, 18 de abril de 2013

UM INTERVALO

Filhos, marido, cachorro, gato e papagaio. Tudo ótimo, fundamentais na nossa vida, pelos quais nutrimos todo amor e dedicação. À parte isso somos mulheres, e apesar de multi, pessoas de carne e osso falíveis, e chega uma hora que o corpo e a mente reclamam. Para esses momentos é preciso abrir um intervalo na agenda e aproveitar um tempo só seu.

Está achando difícil? Bem, fácil não é, não vai conseguir a toda e qualquer hora, contudo é possível. Pode ser uma data marcada, ainda que uma vez ao ano, qualquer tempinho. O coração aperta de deixar a casa para trás mesmo que por poucos dias? Natural. Engole a hesitação e vai. Como recompensa, uma multimulher revigorada, mais contente, com a auto – estima renovada,  saudosa de lar doce lar, pronta para mais uma temporada.

Como nem tudo são flores, antes de conseguir dar esta escapada você tem que provar porque a alcunha de multimulher. Tem que fazer as compras, deixar a rotina dos filhos organizada, listas de tarefas na sua ausência, aguentar firme os pedidos "mamãe, não vá!", deixar engatilhada toda a dinâmica da casa, uns bilhetinhos "mamãe te ama!", avisar na escola que outra pessoa vai pegar as crianças, programar o balé, a natação e o inglês, não sem antes combinar com o marido e a babá (não necessariamente nesta ordem), e lembrar de fazer as malas!

Vencidas todas as etapas, quase uma gincana, você finalmente chega ao destino. Agora é aproveitar, divertir-se, dormir uma noite inteira de sono, colocar a conversa em dia e cuidar de si. Lembre-se de fazer isso logo, nos primeiros dias respire a liberdade. Com o tempo o ar vai ficando rarefeito, tudo à sua volta perde o sentido e bate aquela saudade.

No final valeu a pena. Esses raros momentos demoram a chegar, passam rápido, mas alimentam a alma e trazem à tona pessoas melhores, mais resolvidas. E cá entre nós, se não passasse rápido a gente não aguentaria, mesmo voltando para casa e quase que de imediato desejando o próximo intervalo.

domingo, 7 de abril de 2013

PEC (Porque Encarar Cuidadosamente) das domésticas

Uma proposta de emenda constitucional (PEC). Uma revolução nos lares. Uma nova ordem social.

A sociedade brasileira vem experimentando uma grande mudança nas relações entre patrões e empregados domésticos. Estas mudanças vêm se desenhando vagarosamente, culminando com a PEC, que regulamenta o trabalho doméstico e talvez seja o choque de realidade que faltava para acordar os mais incautos. Mas a verdade é que, a exemplo de muitos países, esse tipo de mão-de-obra torna-se cada vez mais escasso e caro.

A PEC, de autoria do Deputado Federal Carlos Bezerra (PMDB – MT), foi aprovada por unanimidade no Senado. Com a publicação da emenda algumas regras já entram em vigor (carga horária de 8 horas diárias e remuneração das horas extras). Outros direitos, como o pagamento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), seguro – desemprego e auxílio – creche, ainda serão regulamentados para passar a valer. O temor de se ver o aumento da informalidade, demissões e troca por trabalhadores avulsos existe, mas é preciso tempo para se incorporar as mudanças e ver-se como de fato a população se comporta. Para os que já cumpriam as leis já vigentes, as mudanças no fundo serão poucas, contudo a adequação a um relacionamento mais profissional do que familiar é um ponto extremamente delicado. A PEC veio extender os direitos dos trabalhadores em regime de CLT (Consolidação das Leis de Trabalho), o que configura em um direito ( em 1943 os trabalhadores domésticos foram excluídos  da CLT e só em 1972 receberam direito a carteira assinada, ainda que apenas 20% deles sejam registrados nos dias atuais),  porém nossos lares não são empresas. Uma questão ainda em aberto, que talvez melhore a situação é criação de incentivos fiscais para os empregadores, já que não são pessoas jurídicas e não têm fins lucrativos. Por outro lado é preciso fazer um exame de consciência e separar o que de fato é dificuldade financeira em arcar com novos encargos (via de regra acrescentou-se o FGTS, que de opcional passou a obrigatório) do que é resistência pelo conservadorismo da nossa sociedade. Segundo o sociólogo Joaze Bernardino, especialista em relações de trabalho doméstico, em nossa sociedade frequentemente nos deparamos com pessoas altamente progressistas em várias áreas do pensamento, porém quando se trata de sua empregada doméstica deixa renascer o “senhorzinho escravocrata”. Até aquilo que costumamos dizer em tom bem intencionado – “ela já é quase da família” - pode abrir um precedente para a exploração. Então é preciso estar atento.

Olhos mais atentos verão que os fatos não ocorreram necessariamente na sequencia expressa no início do texto. Uma reestruturação social no Brasil se insinua há tempos, com os últimos mandatos federais apontando fortemente nesta direção. A pirâmide social do país vem exibindo constante mobilidade, e isto se reflete no maior acesso a instrução e a bens de consumo. As donas de casa já vinham percebendo a dificuldade de ter alguém para realizar tarefas antes concorridas até. Já vem sendo necessário se reorganizar , suprimir e redefinir funções dentro de casa. A PEC veio em consequência a tudo isso, por demanda social mesmo, mobilização da categoria. A forma negativa como a mídia tem alardeado a notícia muitas vezes a desqualifica. Alguns se referem como um marco civilizatório, e não deixa de ser; nossa sociedade carece de muito entendimento sobre direitos e deveres, sobre autonomia e auto-suficiência, modificando em certa medida a forma de educarmos nossos filhos e gerirmos nossas famílias. Não é ruim ensinar a criança a fazer sua cama, cada um lavar seus prato quando come, ou dividir as tarefas domésticas. Mas não vamos nos transformar, num passe de mágica, na Europa. Há que se amadurecer muito ainda estas relações de trabalho.

Agora volte-se a situação para cotidiano comum, no microuniverso de cada casa. Impõe-se um aspecto delicado que é o da relação humana, afetiva, do lidar com aquela pessoa a quem você delega seu filho, sua intimidade, alguém que compartilha sua rotina. Difícil separar tudo isso da questão profissional, contudo é uma linha tênue que precisa existir. Complicado passar a usar um livro de ponto, chegar em casa do trabalho em horário britanicamente pontual, impedir o grude das crianças com sua babá, afastar a empregada do que nos seja íntimo, regular o horário de almoço. Um erro considerar todos os trabalhadores domésticos iguais, uma vez que a função determina a proximidade da relação com a família. E não há porque vilanizar os empregadores domésticos, as donas de casa retratadas como criaturas fúteis que se utilizam do serviço de terceiros para ficar de mordomia. Ledo engano – a maioria de nós as mantém por pura necessidade, principalmente quando se tem filhos pequenos. Seria diferente se tivéssemos à nossa disposição um serviço de educação infantil de qualidade, hoteiszinhos ou creches com boas condições espalhados por aí. Isto infelizmente é para poucos, talvez nos grandes centros. E acima de tudo é também uma decisão de cada família, tornando mais crucial ainda manter a sanidade e a serenidade dessa relação.  A hora de encarar cuidadosamente, sentar para conversar, ser honesto e  por as novas regras do jogo em prática.

sábado, 30 de março de 2013

TEMPO DE DESACELERAR





http://amorciumedesejo.blogspot.com.br

A humanidade chegou num ponto delicado. Considere todo o avanço tecnológico que já se tem hoje e veja como se contrapõe ao retrocesso percebido nas relações interpessoais; acelerou-se o conhecimento e a informação, em contrapartida deu-se um distanciamento entre as pessoas. Questionar as raízes dessa condição é crucial e faz parte do crescimento, a única possibilidade de revertê-la. Em tal processo vislumbra-se o imediatismo parece estar permeando esse caminho.

Nada mais carece ser fermentado, apurado ou curtido. Ninguém quer mais quer experimentar aquela troca de olhares já se quer a conjunção carnal no primeiro ato. Sentar para um bom papo com um interlocutor de carne e osso deu lugar a trocar mensagens com muitos ao mesmo tempo, conversas cibernéticas, beijos falados e figurados em lugar de tocados.  Não se tem mais tempo nem paciência para ser contemplativo, para se aprofundar nas questões e nas pessoas. Como resultado colhe-se a superficialidade, e por não haver mais tempo para se ouvir, sobram os conflitos. Aquele mesmo conflito que é pai e mãe das guerras entre as nações  e  da selvageria que se testemunha nas grandes cidades. Pai e mãe da violência urbana, da politicagem e da descrença nas instituições. Reina a incapacidade de se colocar no lugar do outro, de exercitar o perdão e a benevolência.

 A boa notícia é que tem sempre um último romântico por aí e num trabalho de formiguinha é capaz de contagiar os que estão à sua volta. Quem sabe assim nos lançamos numa onda positiva onde o velho nos alcança de novo, nada mais é imediato, o consumo desenfreado perde seu espaço e com ele o materialismo extremo. O equilíbrio se torna possível; entre ser e ter, ouvir e falar, enfrentar e recuar, divergir e concordar. E o que era belo retoma seu valor. Não é preciso mais tanta pressa pois o que realmente importa está aqui pertinho; o calor da família e dos amigos, a emoção do abraço de um filho, a possibilidade de assistir a um pôr do sol, poder saborear um prato especial, ler um bom livro, conhecer seu vizinho, se relacionar com bom humor, enfim, estar disponível para a vida.

sábado, 9 de março de 2013

ADEUS AO MARTÍRIO NOSSO DE CADA DIA



Lá vem ela de novo. A multimulher é um ser com vida própria e anda por aí nas suas pequenas batalhas cotidianas. Com todas as conquistas que as mulheres conseguiram nas últimas décadas foram se acumulando as tarefas e os interesses. Houve um tempo em que enxergou apenas a multiplicidade de tarefas, a árdua missão de equilibrar a rotina de mãe, mulher e profissional. Essa noção mudou um pouco ao longo do tempo e a partir da percepção de que não se tratava de uma simples executora da sua rotina. A multimulher passou a se entender como uma pessoa multi-interessada, pondo seu coração e sua mente em tudo que faz (em que pese todo o trabalho braçal embutido nisto). Multimulher, multi-interessada ou multi-atarefada, sua palavra de ordem permanece sendo a multiplicidade; de papéis, de sentimentos e de expectativas.

Ah, as expetcativas! É próprio do ser humano tê-las, em relação a si e aos outros. Estas são causadoras de um sem número de cobranças, e ser seu próprio credor pode ser uma armadilha difícil de se desvencilhar. Provavelmente por conta desta situação todas tenham se exigido tanto – manter a excelência em tudo que fazem; serem supermães, profissionais de sucessos ascendendo em seu campo de tarbalho, amigas isuperáveis, filhas abnegadas onipresentes ou amantes espetaculares (não necessariamente nesta ordem, mas quase sempre tudo ao mesmo tempo). Chegadas a um dilema e a uma certa culpa, degladiam-se diuturnamente com a realidade – a inabalável impossibilidade de ser cem por cento em tudo.

O problema é que custa chegar a essa conclusão. e ainda que muitas permaneçam desencontradas desta até reconfortante constatação, outras estão encarando com muito jogo de cintura esta nova ordem. Convencer-se é um passo rodeado de questionamentos cujas respostas nem sempre são óbvias. Mas por que dar o suficiente de si não basta? Por que querer dar incessantemente sempre mais de si em tudo? Será que leveza e tranquilidade não são possíveis? Claro que são! Desce da linha de montagem e busca satisfação sem megalomanias. O tempo agora é de ser o que se pode e aproveitar a vida. a passagem por esse mundo é muito rápida, não há espaço nem tempo para ficar apegada ao pequeno martírio nosso de cada dia. Viver com coerência e dedicação continua sendo uma tônica, contudo sem o estresse de querer ser o máximo em tudo todo o tempo. Existirão altos e baixos, uma coisa compensando a outra, e assim a terra segue girando.