domingo, 11 de maio de 2014

TENHA MEDO DA HASHTAG





Nestes tempos de internet e informação ultraveloz o que mais tem se visto são as avalanches de compartilhamentos de coisas que verdadeiras ou não se transformam em ordem do dia. O afã de sair por aí compartilhando tudo sem nem checar a fonte e a veracidade já é algo de arrepiar os cabelos. São inúmeros os casos de desmentidos tardios, depois de alguém ter sido morto a pauladas, tarde para devolver o negócio que sustentava uma família ou mesmo atrasado ao revelar que o pai não tinha de fato sequestrado o filho. O estranho mundo do clicar um botão apenas por fazê-lo, e ser o primeiro. É a cultura do falso engajamento, de estar por dentro de tudo, que de forma distorcida vem sem se embasar, sem se aprofundar. 

Observando esse cenário nada se espalha mais rápido, tal qual rastilho de pólvora, do que as “palavras de ordem” precedidas pela hashtag. Em poucos segundos milhares de pessoas podem segui-la, de forma instantânea, o suficiente para nem sequer entender o que há por trás. É tão urgente seguir, ser dos primeiros, estar por dentro da mais nova onda, e dali a pouco da próxima. Se é para ser uma “palavra de ordem”, que ao menos se discuta e se permita  vivenciar seus efeitos.

Recentemente passeou insistentemente pelas redes sociais a #somos todos macacos, fruto de um episódio lamentável e infelizmente cotidiano de racismo sofrido nos gramados de futebol, desta vez pelo jogador Daniel Alves; atiraram uma banana no campo e ele, com muito bom humor, come a banana. A enxurrada de fotos com bananas foi gigantesca, positivo por trazer o tema racismo para o primeiro plano, porém raso por não avançar na discussão, ofensivo travestido na máscara da coletividade por chamar o negro de macaco. Pergunte quantos dos milhares que repetiram a tal hashtag sustentaram a questão, demoraram-se em raciocinar o efeito do binômio banana-macaco, num país que foi o último a abolir a escravidão e que ainda carrega muitas desigualdades que tem nela suas raízes.

A exemplo desta há várias outras “campanhas” surgindo todos os dias. Algumas caem mais no gosto geral, sofrem o efeito manada, não se sabe bem porquê, outras são frutos de descontentamentos reais, como a #foradilma, também positiva por trazer a política para as primeiras fileiras, contudo igualmente superficial. Onde foram parar os questionamentos sobre as opções que o país tem hoje, sobre os pontos positivos e negativos dos candidatos, sobre o que urge mudança e sobre o que deve ser continuado. Não é necessário ser especialista em política para saber que as eleições fazem parte de uma engrenagem muito mais complexa do que a flecha ligeira de uma hashtag. Esta poderia ser o pontapé inicial de uma discussão mais ampla, de uma conscientização sobre o poder do voto, sobre a função dos programas de transferência de renda e sobre o enfretamento da corrupção, dentre outros temas que são cruciais para o país.

A maré das hashtags também é assolada por interesses espúrios. Engana-se quem pensa que surgem única e exclusivamente da espontaneidade popular. Pelo contrário muitas vezes são engendradas por serem facilmente palatáveis e seguidas por um grande número de pessoas que acabam por servir apenas como massa de manobra. E some-se a isso aquelas que são campanhas publicitárias pagas e que na instantaneidade do mundo virtual são travestidas de apelo popular.

No final das contas, diante de tanta liberdade de expressão, onde qualquer coisa pode ser dita e ser transformada em verdade absoluta, é preciso cuidado. Embarcar em tudo sem dispensar sequer um segundo de análise é no mínimo irresponsável. É sempre mais um grão que pode estar fomentando alguma inverdade ou injustiça, e que ironicamente em essência o seguidor discorde. Há a alternativa desse grão fazer parte de algo genial e que deva ser replicado. Por tudo isso, tenha medo da hashtag; encare ela a fundo antes de seguir com ela.