domingo, 5 de outubro de 2014

O MUNDO QUE HÁ ALÉM DE MIM




Me perdi aqui nos meus  pensamentos, no confortável mundo das minhas opiniões. Neste mundo está tudo tão certo, tão compartimentalizado nas minhas crenças, é tudo tão coerente que muitas vezes nem sequer me ocorre a existência de algo distinto. Andei esquecendo que a oposição existe e precisa ser polida, educada, venha ela de onde vier. Tendo  minha opinião como escudo deixei  de lado minha educação, que até uso no cotidiano, mas na hora de me posicionar não achei necessário, afinal meu opositor está tão errado e já cometeu tantas atrocidades que me dão direito de julgá-lo e condená-lo. Não senti nenhum desconforto com minha dupla personalidade: ser grosseiro e agressivo, tachar o vizinho de oligofrênico e reduzí-lo à imagem do animal conhecido por empacar, mas ao mesmo tempo me considerar exemplo de ser humano, de pensamento democrático e respeitador da liberdade de expressão.

Apesar de estar absolutamente segura daquilo que acredito, resolvi dar ouvidos a um questionamento que teimava no fundo do meu pensamento; se estou tão certa e tenho motivos para tal, o que fundamenta a opinião contrária a minha? E eu, criatura serena em tantas áreas da minha vida, deixei ecoar as palavras de Mahatma Gandhi - divergência de opinião jamais deve ser motivo para hostilidade. Nos embates com meus opositores quero poder convencê-los, quero trazê-los para o meu lado. Mas como obter êxito nessa empreitada se nem ao menos o considero enquanto ser pensante e o coloco numa subcategoria? Foi nessa tentativa de fazer minha opinião valer que passei a desbravar outros caminhos. Descobri que a chance de mudar a opinião do outro está exatamente na minha capacidade de dialogar com ele e não na força com que consigo repelí-lo. Pude perceber a força dos meus gritos, mas também dos meus silêncios. Realizei que sendo a mesma pessoa centrada e ponderada, acolhedora e generosa, tanto para quem comunga comigo quanto para quem se coloca em posição diametralmente oposta, é o meio mais inteligente de agir.  


Não adianta me debater e vociferar palavras que não uso dentro da minha casa pois as diferenças de pensamento continuarão a existir. Ainda mais no mundo globalizado das redes sociais, em que a palavra de ordem é (ou pelo menos deveria ser) convivência. Isto não significa dizer que não posso continuar me achando certa, expressando meu ponto de vista, mas sem perder a noção de que não existem verdades absolutas; significa que vou mudar a forma de fazê-lo. Muitas vezes para ser ouvido é preciso aprender a ouvir. E esse é um grande exercício, ao qual me proponho; manter um fundamento tão aclamado pelo Direito, que é justamente em garantir com segurança as convivências dos antagônicos. Não existe crime de opinião, este se extinguiu com a ditadura, mas o respeito recíproco é vital. Tudo porque entendi que há um mundo além de mim e cheguei à conclusão de que as diferenças são positivas para criar uma sociedade mais interessante, pois é a diversidade que a põe em movimento. Parafraseando Voltaire; "não concordo com uma só palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o direito de dizê-las." 

domingo, 10 de agosto de 2014

GUEST POST



Hoje a Contadora de Histórias Coracy Schueler (https://twitter.com/CoracySchueler) me apresentou o que chamei de "O TEXTO", sabe aqueles que traduzem bem você? Especialmente recebido neste dia dos pais, aproveito para partilhar como forma de homenagem ao meu pai, que não está mais neste plano, aos pais de meus amigos e aos meus amigos pais. Graças a Deus tenho o privilégio de dizer que saboreei meu pai em toda sua intensa doçura e acidez, bem ao modo dos melhores pratos que compõem o tempero das famílias. E sigo saboreando minha imensa família que vai se extendendo em ramificações por aí, pelo sangue, pelo amor ou pela simples afinidade.

O texto é trecho do livro "O arroz de palma", primeiro romance do escritor Francisco Azevedo. Conta uma história sobre a família, enquanto instituição, que segue firme, absorvendo todas as mudanças em nossa sociedade. Neste trecho faz uma deliciosa alegoria  do que é uma família. Saboreie também!

Família é um prato difícil de preparar. São muitos ingredientes. Reunir todos é um problema...não é para qualquer um. Os truques, os segredos, o imprevisível. Às vezes dá até vontade de desistir, mas a vida sempre arruma um jeito de nos entusiasmar e abrir o apetite. O tempo põe a mesa, determina o número de cadeiras e os lugares. Súbito, feito milagre, a família está servida. Fulana sai a mais inteligente de todas. Beltrano veio no ponto, é o mais brincalhão e comunicativo, unanimidade. Sicrano, quem diria? solou, endureceu, murchou antes do tempo. Este é o mais gordo, generoso, farto, abundante. Aquele, o que surpreendeu e foi morar longe. Ela, a mais apaixonada. A outra, a mais consistente. Já estão aí? Todos? Ótimo. Agora ponha o avental, pegue a tábua, a faca mais afiada e tome alguns cuidados. Logo, logo, você também estará cheirando a alho e cebola. Não se envergonhe de chorar. Família é prato que emociona. E a gente chora mesmo. De alegria, de raiva ou de tristeza. Primeiro cuidado: temperos exóticos alteram o sabor do parentesco, mas se misturados com com delicadeza, estas especiarias, que quase sempre vêm da África e do Oriente, e nos parecem estranhas ao paladar tornam a família muito mais colorida, interessante e saborosa. Atenção também com os pesos e as medidas. Uma pitada a mais disso ou daquilo e, pronto: é um verdadeiro desastre. Família é prato extremamente sensível. Tudo tem que ser muito bem pesado, muito bem medido. Oura coisa: é preciso ter boa mão, ser profissional. Principalmente na hora que se decide meter a colher. Saber meter a colher é verdadeira arte. Uma grande amiga minha desandou a receita de toda a família só porque meteu a colher na hora errada. O pior é que ainda tem gente que acredita na receita da família perfeita. Bobagem. Tudo ilusão. Não existe Família à Osvaldo Aranha; Família a Rossini, Família à Belle Manière; Família ao Molho Pardo (em que sangue é fundamental para o preparo da iguaria). Família é afinidade, é à Moda da Casa. E cada casa gosta de preparar a família a seu jeito. Há famílias doces. Outras meio amargas. Outras apimentadíssimas. Há também as que não têm gosto de nada, seria assim um tipo de Família Dieta, que você suporta só pra manter a linha. Seja como for, família é prato que deve ser servido sempre quente, quentíssimo. Uma família fria é insuportável, impossível de se engolir. Enfim, receita de família não se copia, se inventa. A gente vai aprendendo aos poucos, improvisando e transmitindo o que sabe no dia a dia. A gente cata um registro ali, de alguém que sabe e conta, e outro aqui, que ficou no pedaço de papel. Muita coisa se perde na lembrança. Principalmente na cabeça de um velho já meio caduco como eu. O que este veterano cozinheiro pode dizer é que, por mais sem graça, por pior que seja o paladar, família é prato que você tem experimentar e comer. Se puder saborear, saboreie. Não ligue para etiquetas. Passe o pão naquele molhinho que ficou na porcelana, na louça, no alumínio ou no barro. aproveite o máximo. Família é prato que, quando se acaba, nunca mais se repete.

quinta-feira, 31 de julho de 2014

ARMÁRIO DAS EMOÇÕES




Ela lida com a morte frequentemente. Por força do ofício aprendeu a criar certo distanciamento, o mínimo para ter condições de apoiar as famílias que naquele momento estão perdendo seus entes queridos. Isto mesmo; o mínimo. A morte a atinge como a todos, lhe traz questionamentos, porém com o tempo ela transmutou isso numa aproximação com o Divino. Sempre que perde um paciente, lhe dedica uma oração e agradece a oportunidade de ter passado por sua vida. Assim vai segurando a avalanche de emoções que vêm com o fim até onde enxergamos. Costuma dizer que deveria fazer análise para exorcizar um certo peso que ao longo dos anos parece se acumular, mas segue arrumando  um lugarzinho pra cada experiência no seu interior, como quem arruma um armário cheio de gavetas extremamente organizadas até o dia em que aparece uma peça grande demais, pesada demais e inesperada demais.

Caminhar por aí com seus planos de futuro, comum à humanidade desde que se tem conhecimento. É da curiosidade e da vontade de querer sempre mais que se alimentam as grandes descobertas e os grandes avanços das sociedades. Olhar para a frente e fazer planos é visceral, intuitivo, é dar o próximo passo. É tido como sinal de responsabilidade e maturidade programar-se e ter provisões para mais a diante. Tudo certo porque as expectativas pessoais não contemplam possíveis obstáculos ou tragédias, doenças ou males de qualquer ordem. Pelo contrário é quase que uma exigência que se viva com otimismo. E pensando bem é difícil idealizar aquilo que se costuma chamar felicidade no esteio da certeza de que tudo pode se acabar a qualquer momento.  É essa sensação que te assalta quando a vida joga na cara sua finitude, sobretudo tendo como pano de fundo a dimensão materialista que sufoca o mundo contemporâneo. Perde-se o chão, é como se estivesse indo do nada para lugar nenhum e o amanhã fosse apenas uma ilusão. Está posto um grande dilema existencial.

A humanidade desenvolveu ao longo do tempo formas diversas de lidar com esse dilema. Para as vertentes religiosas os conceitos de vida eterna ou de vida após a morte servem como consolo. Para os mais céticos a crença de deixar sua marca no mundo, através dos seus feitos e criações, de certa forma imortaliza. Retomando o tema felicidade, é fácil constatar que a alegria de viver resiste a tudo isso, pois se apoia naqueles que nos rodeiam, no amor que dedicamos a quem se foi e que não se acaba, no sorriso que se estampa no rosto do filho caçula que nada entendeu daquele momento. Talvez seja a consciência da temporalidade que dê sentido à vida, por trazer ao ser humano a urgência em viver o hoje da melhor maneira possível, de usar seu tempo na construção de algo que lhe seja valioso. A certeza da finitude da vida, ora consciente, ora inconscientemente, acaba por elevar a importância do hoje ao mais alto grau.

Apesar disso, como simples mortais, pequenos diante de tantos mistérios no universo, não passamos por essa etapa sem sofrimento pela dificuldade de lidar com as perdas. São momentos realmente duros, de pôr em cheque a razão das coisas serem como são, mas a verdade é que não está em nossas mãos o controle que muitas vezes ilusionamos ter. Ainda mais quando a ordem tida como natural das coisas muitas vezes é subvertida. Mais uma vez somos pegos de surpresa, arrancados da suposta segurança do nosso mundo particular, sacudidos pela realidade. Dada a inexorabilidade dos fatos nos resta recolher os cacos e usar a energia do tombo para prosseguir.

E ela segue arrumando o armário das gavetas nem sempre tão  organizadas até o dia em que aparece mais uma peça grande demais, pesada demais e inesperada demais.

domingo, 29 de junho de 2014

NOSSOS LUXOS SÃO OUTROS



Nos dias atuais muitas coisas aguçam a vontade, como aparelhos celulares novos, televisores modernos e carros com tecnologia de ponta. Essa materialização dos desejos é bem própria desse mundo globalizado – qualquer estudo básico sobre o capitalismo vai começar versando sobre mais-valia e necessidade, esta última absolutamente atrelada àquilo que se conhece; você só sente necessidade do que você tem ciência. E na velocidade em que se tem ciência de praticamente tudo apenas num clique, é natural que as necessidades se avolumem, ou pelo menos pareçam se avolumar.

Uma vez presos no turbilhão de tais necessidades, vale a pena um exercício simples, seu com você mesmo, de elencar aquilo de que REALMENTE precisa. Feito isto, o saldo certamente será um número reduzido de bens materiais e muitos bens imateriais que não estão à venda; para tê-los precisamos simplesmente cultivá-los. Isso é que é a maravilha de tudo, compreender o movimento da vida e levar dela o melhor. Sem dúvida é um luxo poder realizar seus desejos, mais que isso prospectar o desejo ideal que lhe trará satisfação de fato. Os luxos contemporâneos são outros – tempo, espaço e silêncio são exemplos primorosos.

Organizar tempo para brincar com seu filho, para fazer um jantar romântico, para saber como sua mãe passou o dia, para ligar para aquele amigo que há muito tempo não vê, para exercitar-se regularmente, para ler os livros que empilhou na mesa de cabeceira, para apreciar um bom vinho sem  pressa, para andar descalço na praia sem compromisso; é um luxo pelo qual trabalhar compensa.

No mundo moderno de metrópoles superpopulosas espaço é puro luxo; espaço para morar, para os milhares de carros circularem sem congestionamento, para mantermos áreas verdes e o ar mais respirável, para as crianças crescerem com liberdade.

E o que dizer do silêncio? Melhor mantê-lo. É o que traz tranquilidade, possibilita entrar em sintonia com o universo, agir no sentido de aproveitar o hoje, as pessoas que nos cercam e todo sentimento que nos torna humanos, enfim contemplar a vida, entendendo o que ela tem de verdadeiramente valioso.

domingo, 11 de maio de 2014

TENHA MEDO DA HASHTAG





Nestes tempos de internet e informação ultraveloz o que mais tem se visto são as avalanches de compartilhamentos de coisas que verdadeiras ou não se transformam em ordem do dia. O afã de sair por aí compartilhando tudo sem nem checar a fonte e a veracidade já é algo de arrepiar os cabelos. São inúmeros os casos de desmentidos tardios, depois de alguém ter sido morto a pauladas, tarde para devolver o negócio que sustentava uma família ou mesmo atrasado ao revelar que o pai não tinha de fato sequestrado o filho. O estranho mundo do clicar um botão apenas por fazê-lo, e ser o primeiro. É a cultura do falso engajamento, de estar por dentro de tudo, que de forma distorcida vem sem se embasar, sem se aprofundar. 

Observando esse cenário nada se espalha mais rápido, tal qual rastilho de pólvora, do que as “palavras de ordem” precedidas pela hashtag. Em poucos segundos milhares de pessoas podem segui-la, de forma instantânea, o suficiente para nem sequer entender o que há por trás. É tão urgente seguir, ser dos primeiros, estar por dentro da mais nova onda, e dali a pouco da próxima. Se é para ser uma “palavra de ordem”, que ao menos se discuta e se permita  vivenciar seus efeitos.

Recentemente passeou insistentemente pelas redes sociais a #somos todos macacos, fruto de um episódio lamentável e infelizmente cotidiano de racismo sofrido nos gramados de futebol, desta vez pelo jogador Daniel Alves; atiraram uma banana no campo e ele, com muito bom humor, come a banana. A enxurrada de fotos com bananas foi gigantesca, positivo por trazer o tema racismo para o primeiro plano, porém raso por não avançar na discussão, ofensivo travestido na máscara da coletividade por chamar o negro de macaco. Pergunte quantos dos milhares que repetiram a tal hashtag sustentaram a questão, demoraram-se em raciocinar o efeito do binômio banana-macaco, num país que foi o último a abolir a escravidão e que ainda carrega muitas desigualdades que tem nela suas raízes.

A exemplo desta há várias outras “campanhas” surgindo todos os dias. Algumas caem mais no gosto geral, sofrem o efeito manada, não se sabe bem porquê, outras são frutos de descontentamentos reais, como a #foradilma, também positiva por trazer a política para as primeiras fileiras, contudo igualmente superficial. Onde foram parar os questionamentos sobre as opções que o país tem hoje, sobre os pontos positivos e negativos dos candidatos, sobre o que urge mudança e sobre o que deve ser continuado. Não é necessário ser especialista em política para saber que as eleições fazem parte de uma engrenagem muito mais complexa do que a flecha ligeira de uma hashtag. Esta poderia ser o pontapé inicial de uma discussão mais ampla, de uma conscientização sobre o poder do voto, sobre a função dos programas de transferência de renda e sobre o enfretamento da corrupção, dentre outros temas que são cruciais para o país.

A maré das hashtags também é assolada por interesses espúrios. Engana-se quem pensa que surgem única e exclusivamente da espontaneidade popular. Pelo contrário muitas vezes são engendradas por serem facilmente palatáveis e seguidas por um grande número de pessoas que acabam por servir apenas como massa de manobra. E some-se a isso aquelas que são campanhas publicitárias pagas e que na instantaneidade do mundo virtual são travestidas de apelo popular.

No final das contas, diante de tanta liberdade de expressão, onde qualquer coisa pode ser dita e ser transformada em verdade absoluta, é preciso cuidado. Embarcar em tudo sem dispensar sequer um segundo de análise é no mínimo irresponsável. É sempre mais um grão que pode estar fomentando alguma inverdade ou injustiça, e que ironicamente em essência o seguidor discorde. Há a alternativa desse grão fazer parte de algo genial e que deva ser replicado. Por tudo isso, tenha medo da hashtag; encare ela a fundo antes de seguir com ela.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

EINSTEIN, NÓS E O TEMPO



Recentemente li reportagem sobre foco. Como mote para a história toda estava o lançamento do livro do psicólogo americano Daniel Goleman. Conhecido pelo best seller  Inteligência  Emocional, o autor, Ph.D. pela Universidade de Harvard, no livro intulado Foco, postula que estamos diante de uma geração sem foco. Pensar em foco me remete imediatamente à questão tempo.

Falta de tempo deve ser a reclamação que mais ouço, tanto pessoal quanto profissionalmente.  Há alguns anos abandonei esta queixa desde que fui apresentada à frase atribuída a Albert Einstein: “falta de tempo é desculpa daqueles que perdem tempo por falta de método”. E de forma intuitiva sempre percebi uma simbiose entre o citado método e o foco, de forma que tê-los ambos possibilita ter o tão sonhado tempo. Talvez o reflexo disto esteja labuta de tentar ser ora multiinteressada e ora multitarefa, em geral um misto das duas. A verdade é que muitas vezes nos perdemos na correria do cotidiano, e encontrar o foco, manter um método e conquistar tempo parece impossível. Ainda mais nos dias atuais, em que tudo é tão urgente, em que tantas coisas nos dispersam. O mundo vai girando numa velocidade tal que os interesses e as áreas a que supostamente temos que dar atenção se multiplicam em progressão geométrica. A tecnologia e o excesso de informações são grandes vilões nesta história, sobretudo por não sabermos fazer um uso racional deles. Por que responder uma mensagem de celular é tão urgente que preciso teclar enquanto dirijo? Por que ficar de olho pregado no celular é mais importante do que interagir com quem está do meu lado em carne e osso? Se libertar destas amarras com certeza é um exercício muitas vezes penoso, contudo é um caminho que precisamos trilhar cedo ou tarde, sob pena de emburrecer interna e externamente.

Para as novas gerações esta falta de foco é ainda mais evidente. Todos os textos são muito longos, todas as palavras podem ser abreviadas e estar com todos estando com ninguém é um hábito. É óbvio que o contrário também danoso. A atenção extrema, estar todo o tempo ligado gera tensão e ansiedade, além de restringir a visão do mundo. Imaginar que se pode multiplicar as horas do dia é uma fonte de esgotamento mental e físico.  Fundamental aqui, como em tudo, é a busca pelo equilíbrio, e esse é o nosso verdadeiro desafio. Fatalmente recaio sobre a nossa responsabilidade como pais e educadores para restabelecer-lhes um senso de prioridades. Desde pequenas coisas como parar um tempo e ouvir uma boa música ou ler um bom livro, até concentrar-se nos estudos, planejar uma carreira, passando por dar valor a estar com as pessoas ao vivo e a cores. É uma espécie de treinamento em que se elenca as coisas por prioridade para conseguir alcança-las todas a seu tempo.


Manter o foco, segundo o autor, depende de manter momentos de reflexão, concentrar-se nos diversos aprendizados de forma a sedimentá-los.  Foco é uma habilidade muito mais ampla do que à primeira vista parece; engloba a esfera interna de cada um, a capacidade de concentração apesar do que nos rodeia; a esfera externa que é a capacidade de ler o ambiente e perceber o terreno onde estamos; e a esfera empática, aquela voltada para o outro, a forma como nos relacionamos com nossos pares. Conseguir sustentar estes pilares é tarefa para se construir todos os dias, exercitar. E é o que nos possibilita  seguir motivados, cumprir metas pessoais e obter bons resultados em tudo que nos envolva.


sábado, 8 de março de 2014

RECOLHENDO AS CINZAS





Nestes dias de cinzas vejo meu amigo homossexual. Na folia de Momo ele se realizou. Sentiu-se livre bailando sua cabeleira importada, seus cílios postiços e sua mais nova boca carmim. Estava feliz em mostrar sem pudores seu feminino, afinal nesta festa tudo é meio que permitido. Não se pode dizer  que passou por aí tão docemente incólume; há sempre os olhares que o fazem lembrar algum nível de inadequação, por mais que ele próprio já tenha em si muitas destas questões resolvidas.  Apesar e acima de tudo segue em frente, aproveitando o anonimato. A festa se vai  e ele se despe daquela exuberância projetada e volta ao seu cotidiano de batalhar cada centímetro de ser quem é.

Nestes dias de cinzas vejo outro amigo homossexual. Não se monta no carnaval, pelo contrário sempre se traja como um homem comum. Passou as festas numa praia, isolado com seu companheiro. No dia-a-dia não se revelam um casal. Preferem se preservar, não se mostrar é uma espécie de escudo. Temem ser julgados e segregados.  Não recrimino; é mesmo difícil encarar o tom de reprovação, ser agredido por atitudes e repreensões subliminares. Também segue no anonimato. E volta ao seu cotidiano, se protegendo do jeito que entende ser o melhor, o que não deixa de ser uma batalha.

Falar em homofobia não é retórica. Ao lado de outros tipos de segregações que tanto presenciamos, ela aprisiona de uma forma muito cruel. Vai de um extremo a outro, desde a simples falta de aceitação até assassinatos em nome de uma pseudomoral. Estes dias carnavalescos são bem libertários para alguns;  abertamente ou por trás de máscaras e fantasias. Pena que ainda sofrem demais com sua condição, seja qual for a forma que escolham se relacionar com a sociedade. Para o mundo heterossexual são desde um modo de vida diverso até anomalia genética; sua condição é explicada desde como fruto do ambiente até como psicopatologia. Difícil encontrar seu lugar, mesmo nas coisas mais sutis, mesmo nos que em princípio aceitam. Ou você nunca ouviu “que seja homossexual, mas não me paquere”, “tudo bem desde que não seja um filho meu”, “beije, mas não na minha frente”. Nessa seara não se trata de gostar ou não. Trata-se de aceitar o outro. E cada vez mais este assunto vai ter que frequentar nosso almoço de domingo, com uma explicação coerente para nossas crianças, que certamente vai muito além do binômio normal/anormal.

Queria apenas falar de coisas alegres.  Fico a me perguntar se isso é possível. O mundo é cheio de imperfeições e nós seguimos sobrevivendo muitas vezes em meio a uma realidade absolutamente caótica. E a crua realidade se apresenta a quem quiser ver. O primeiro amigo apanhou de uns garotos “muito machos” na volta para casa, ofendidos que estavam pela simples presença do outro. O segundo amigo voltou para casa sem ser agredido fisicamente, mas sufocou seus gestos de carinho para o companheiro e evitou os vizinhos na garagem do prédio. Ambos violentados, cada um à sua maneira.

Lamento. Isso não é suficiente. Levanto minha escrita mais uma vez como arma. Ainda que uma gota nesse imenso oceano. Espero realmente não me permitir intolerâncias. E que isso contagie quem me rodeia. Quem sabe assim não precise abrir o jornal e ler a notícia de um pai que mata o filho a pauladas porque ele tinha um “jeitinho”. E não precise ver esse ou aquele amigo homossexual recolhendo as cinzas.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

BODAS - VOTUM - PROMESSA



Estava lendo sobre o significado das representações que se criou para as bodas de casamento. A palavra boda vem do latim votum e significa promessa. A promessa da união matrimonial, do “até que a morte nos separe”. Primeiramente é bom se saber que há imensa controvérsia em se designar autoria a essa inventividade. A lista de nomes varia um pouco, e as mais conhecidas são a de prata, que representa 25 anos de união e a de ouro que representa 50 anos. Parece haver uma lógica em que se denomina os anos iniciais com materiais mais frágeis ou menos nobres, e isso vá aumentando conforme o passar da idade do casamento. Fato é que criaram nome para tudo, desde  um ano (bodas de palpel) , até chegar cem anos, nas “bodas de jequitibá”.

As comemorações também vão mudando com o tempo. Os casais dos primeiros anos o fazem a dois, de forma íntima e romanceada até que com as bodas de “mais peso” as festividades se voltam para toda a família e a sociedade. Não estranhamente isso vem ao encontro das transformações que a própria relação inevitavelmente sofre, sinais do tempo e da maturidade. E não precisa passar muito tempo para as transformações ocorrerem, as pessoas vão mesmo mudando o foco de suas vidas, para muitos chegam as crianças e o significado do casamento ganha outro tom, sendo elas extensão do mesmo.


Isso faz pensar em quais são as coisas que mantém os casais juntos. Há uma lista de atitudes tidas como positivas para a longevidade do relacionamento a dois, com certeza sem unanimidade, mas os laços de amor ainda são o fiel dessa balança. Estar atento ao outro, se doar, sempre serão armas poderosas nesta batalha diária que é preservar o casamento. Os psicólogos costumam quebrar um pouco do romance nessa hora e dizem que o pilar maior que sustenta os casamentos longevos é a amizade. O que não significa o sepultamento do amor, muito pelo contrário; nesta amizade conjugal o amor poderá manter-se pleno. Trata-se de conhecer o outro, saber o que se quer apenas num olhar, cultivar a admiração mútua, ser um porto seguro para seu par. Tudo uma construção diária que requer boas doses de afeto, vontade e paciência. E como diria o poetinha, "de tudo ao meu amor serei atento...quero vivê-lo em cada vão momento...que seja eterno enquanto dure"! Quem sabe assim o casamento cresce com a força da prata, a resistência do ouro e a longevidade do jequitibá. 

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

SHAKESPEARE NA CABECEIRA



A leitura é um prazer imenso e é em si um hábito, como tal podendo ser cultivado. Para crianças pequenas isso é especialmente verdade. Dependendo do que lhe seja apresentado, e como, desde muito cedo, os livros podem se tornar companheiros de toda vida. Já são conhecidos os benefícios pedagógicos da leitura; pessoas que costumam ler melhoram seu raciocínio, seu senso crítico, escrevem melhor, enriquecem culturalmente, aumentam o vocabulário, além da leitura ajudar a fixar a grafia das palavras, aproximando da escrita e trazendo melhor desempenho escolar. São atributos fundamentais e fazem a diferença na fase de alfabetização. Há ainda os benefícios lúdicos; crianças que tem esse contato íntimo e livre com os livros viajam na imaginação e desenvolvem a criatividade. A importância da literatura na educação infantil é tão grande que já foi alvo de diversos estudos que trouxeram os citados benefícios, além de benefícios ao desempenho profissional na vida adulta. Um estudo da americana National Children´s Reading Foundation afirma que para crianças de 0 a 5 anos, cada ano ouvindo histórias e folheando livros equivale a 50 mil dólares a mais em sua futura renda.

Existe uma variedade enorme de temas na literatura infantil, muitas formas de abordagem podem vir da nossa vivência com as crianças. Não é tarefa fácil, é importante compreender o universo da criança, sua maturidade, o que sua faixa etária permite compreender. Pode parecer complicado competir com tantos brinquedos cheios de recursos e cada vez mais lúdicos, mas o incentivo é eficaz, mostrando que cada livro é um mundo de possibilidades. E como tudo em educação, nada mais eficiente nessa tarefa que o exemplo. Pais que costumam ler e mostram uma relação gostosa com os livros passam para as crianças naturalmente. Mas se você não tem a literatura como hábito (sempre é tempo de corrigir), dando livre acesso aos livros já estará fazendo um grande trabalho. A autora Simone Tinti listou algumas dicas para estimular a leitura em casa; o primeiro – e principal – passo é dar o exemplo. Tenha livros em casa e, o mais importante: leia com (e para) a criança. Vá com as crianças a espaços culturais,  onde sempre há eventos relacionados ao universo literário, como contações ou peças de teatro adaptadas de livros. Em bibliotecas e livrarias, ao invés de deixar a meninada sozinha explorando as prateleiras, ajude a escolher as obras mais adequadas e leia as histórias. Aproveite a ocasião para ensinar que é preciso cuidar do livro – ou seja, que não vale rasgar, amassar ou rabiscar as páginas. Em casa, deixe os livros em locais de fácil acesso para o seu filho. Vale ter exemplares na caixa de brinquedos, na banheira e no berço (e não só na estante). Não basta apenas deixar os livros à vista das crianças. Os pais precisam fazer a ponte, criar o interesse, ser o mediador nessa relação.

Um investimento lucrativo em todos os sentidos, o incentivo a leitura está enormemente a cargo dos pais. Desde fomentá-la até a guiá-la em termos de qualidade. É uma preocupação que deve estar na pauta do dia-a-dia com nossos filhos, de maneira suave, confortável, natural e prazerosa. Vários são os relatos dos grandes escritores, de como os livros entraram em sua vida, de como lidavam com eles na infância. Não posso saber se minha filha vai se embrenhar pelo mundo das artes, ou se um dia vai contar a história de como Shakespeare veio parar em sua cabeceira, mas posso relatar agora eu mesma, par ficar registrado e para servir de estímulo aos outros pais. Sempre valorizamos os benefícios amplos da leitura e tentamos estimulá-la. Sempre ouvi o quanto nosso papel de pais era o fiel dessa balança. Sempre acreditei na importância de gastar um tempo produtivo com seu filho; não interessando que seja um tempo curto, mas que estejamos lá inteiros. Recentemente vivemos, minha filha e eu, um processo sutil, tateado, que resultou num entusiasmo enorme por parte dela que está sendo muito gratificante.  Assistíamos um programa infantil em que se falava da história de Romeu e Julieta. Notei o interesse da pequena (nessa idade elas já estão românticas), e contei de onde a história havia surgido, quem era Shakespeare e que inclusive tíamos em casa livros desse autor. Fiquei até altas horas lendo para ela e um já foi pra cabeceira. Amei demais! Que bom que estávamos juntas naquele momento, que bom que deixei minha série favorita no outro aparelho, que bom que exercitei essa nossa capacidade de estar atento aos filhos. Ser mãe/pai é isso!

domingo, 5 de janeiro de 2014

A AGENDA



Primeira semana do ano. Um hábito que se repete há anos mais uma vez foi posto em prática. Ela acariciou a capa onde se lia 2014, pensando que um novo ciclo estava se iniciando, que seria uma nova chance de consertar velhos erros, um momento para iniciar novos projetos. Riu de si mesma por se deixar tomar por esta sensação irresistível todos os anos; a de que o mundo para no 31 de dezembro à espera do ano seguinte, como se de fato fragmentasse todas as coisas. Abriu a agenda na página dos calendários, deu uma checada nos feriados, já fez uns planos por alto de pequenas viagens que daria pra fazer, viu em que dia da semana cairiam as festas do fim de ano e lá estava ela escrevendo os planos para os próximos doze meses. 

Agora escrever os planos de janeiro; ainda dá tempo de desejar “Feliz Ano Novo” para alguns amigos, é preciso refazer a planilha de gastos e começar com as contas em dia, alguns impostos, refazer o contrato do aluguel, material da escola das crianças e dar as férias da babá. Era tanta coisa, que  decidiu ir vivendo mais aos poucos, sem esquecer dos planos a longo prazo, os quais saiu pontuando na agenda. Precisava anotar mais momentos para estar com a família, um tempo para si, pôr a leitura em dia. O ócio pode ser produtivo e curativo; então mais lazer na sua agenda, sem se importar com o calendário. Foi marcando as datas de aniversário da família e amigos; pensar nas pessoas e com uma simples ligação lhes dizer o quanto são importantes vale muito. Lembrou-se de mudar a forma de lidar com certos problemas, tentaria ser mais condescendente com os erros alheios. Marcou um almoço com colegas de escola que não via há anos. Muito importante cultivar as velhas amizades e manter os laços com quem se gosta. Colocou que em fevereiro, um mês tão curto, daria umas pinceladas domésticas como arrumar o armário de roupas da família, o de brinquedos e outras coisa que se vai acumulando meio compulsivamente, e no final doar o que ainda puder ser usado. Foi deixando papel e caneta de lado; existem aquelas coisas que saltam ao coração e não dão tempo a planejar. Desde pequenas coisas, como correr para o jardim a tempo de tomar um banho de mangueira com as crianças. Hora certa para recordar-se de que a felicidade é um estado imaginário e que nós mesmos o construímos, escrevendo dia após dia.

E a vida segue assim, como uma agenda a ser preparada. Alguns compromissos anteriores precisam ser mantidos, acordos a serem honrados, contas a pagar, trabalho e obrigações, mas há muito espaço para mudanças na trajetória. Tudo depende da forma como se encara o que nos chega. Um olhar otimista e corajoso muda completamente a percepção do que é problema e do que é solução. Ganhar esse novo fôlego é algo positivo, alavanca novas empreitadas e enche de ânimo. É uma espécie de psicoterapia coletiva, com resultados visíveis. Resta aprender como prorrogar essa energia e transformá-la em conquistas reais.