Cara Lucidez,
Prometemos um casamento eterno, que apenas a
morte seria capaz de nos separar, mas como em todas as uniões, alguma das
partes acaba por se retirar primeiro.
A vida inteira pensei que chegar à velhice só
valeria à pena se guardasse minha lucidez. Costumava dizer que não queria dar
trabalho a ninguém. Para o bem ou para o mal, ninguém prevê o que o futuro nos
reserva.
Muito cedo precisei agarrar as rédeas de meu
destino. A inocência de outrora deu lugar a uma maturidade precoce nascida da
necessidade. Certamente por isso nunca tivesse tido medo de trabalho, acumulando
jornadas por longo tempo. Imaginava que isso era bom uma vez que mantinha a
mente em plena atividade.
Conheci muita gente boa pelo caminho, vivi
intensamente alegrias e tristezas, viajei pelo mundo. Tanta coisa foi
acontecendo e eu me sentindo cada vez mais dona da situação. Servi de exemplo
para filhos e netos, tornei-me símbolo de longevidade.
Tudo isso também teve um preço. Assistir a
partida de tantas pessoas queridas pesou muito a jornada. Essa é uma parte
especialmente difícil; aqueles que compõem sua história vão sumindo e com eles
uma parte de você.
Eu aguento tudo, firme, embora o corpo já não
responda na velocidade que o pensamento corre. E quando imagino que a
proximidade do fim não nos separará, eis que nos perdemos uma da outra.
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