quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

CRESCER



Com quantos anos se revela uma mulher?
A garotinha linda e sorridente também tem raciocínio maduro
Totalmente livre para a vida que cresce
Abraça o mundo com todas as forças
Refletindo sempre a sensação de ser uma paixão antiga
Impressa na alma mesmo antes do nosso primeiro olhar
Norteando o que passei a conhecer como amor
Ainda que só tenha quatro anos

P.S.: O dia foi curto para conseguir render todas as homenagens que a pequenina merece. É realmente uma pequena grande mulher já revelada na força e na coragem com que agarra suas convicções. Aprender todos os dias com ela é um exercício fantástico. Mais uma vez o jardim está em festa, agora por sua primogênita flor.

sábado, 25 de dezembro de 2010

UM CONTO PARA O NATAL!


Nem sempre valorizamos o que realmente importa na vida. Às vezes é preciso sermos chacoalhados em alguma espécie de terremoto emocional para despertarmos do transe umbilical e viver mais plenamente, com generosidade e amor ao próximo. Naquela família não era diferente. A matriarca aguardava o primeiro filho. Mais uma vez os preparativos eram grandes, cheios de detalhes luxuosos que eram resultado de diversas viagens ao exterior para complementar o enxoval e reuniões intermináveis com a designer de interiores mais famosa da cidade. Aliás, as colunas sociais anunciavam esta chegada com grande furor, noticiando cada movimento como se narra uma partida de futebol. A intimidade da família totalmente invadida pelos novíssimos paparazzi, tudo permitido em nome do cultivo da fama.

Em meio a todo este tumulto em que se tornou a espera daquela criança estava o pai, personagem naturalmente relegado ao segundo plano, uma vez que não embarcava na viagem midiática em que sua família fora colocada. Era um homem sábio e se casara por amor àquela linda garota que aos poucos foi se deslumbrando com o dinheiro que para ele sempre foi farto. Tentava, sem êxito, refrear a sanha consumista em que sua esposa se enredava, notando a superficialidade que ia tomando conta do ambiente. Sentia-se impotente e frustrado, mas não se permitia desistir. Em algum lugar ainda existia a garota de outrora que se emocionava com comédias românticas, que gostava de dividir o saco de pipoca no cinema, que lhe sorria com inocência e que tinha gana para mudar o mundo.

A gravidez em si ia bem, acompanhada por um obstetra fantástico (embora tenha sido escolhido apenas por também acompanhar outras famosas), que ficava pouco confortável com a questões focadas pela paciente. Queria saber o sexo desde o primeiro dia para planejar o enxoval, sem nenhum questionamento sobre a saúde do bebê. Queria planejar a noite do parto com acesso a fotógrafo e cinegrafista muito antes de saber se tudo corria bem. A certa altura ele tentou chamar sua paciente à razão, mas obviamente foi em vão. Apenas lhe restava trazer aquela criança ao mundo com segurança e preservar a vida daquela mulher. Aproximava-se a trigésima sexta semana de gestação e não era de seu perfil abandonar o barco.

Era época de Natal. A afortunada família passaria as festas numa fazenda no interior. A ceia vinha sendo finamente planejada pela gestante mais badalada do momento, afinal não se podia negar que nesses anos de casamento ela não tivesse cultivado além da fama, bom gosto. A lista de convidados recheada de gente importante teria um roteiro de atividades para o final de semana. O ponto alto seria festival de fogos no alto de uma colina que servia como mirante de toda a propriedade, bem distante da casa principal, para onde em seguida retornariam para o maravilhoso jantar.

Em virtude da gravidez avançada à anfitriã permaneceu em casa durante os folguedos, aproveitando para dar os últimos retoques na mesa do jantar.  Exatamente na hora programada os carros levaram os convivas para a colina, alguns deles até se ofereceu para ficar fazendo companhia a ela, inclusive seu próprio marido, mas ela firmemente mostrou que não era necessário, até porque havia um séquito de funcionários naquela casa. Aproximava – se da meia noite quando se viu ao longe um show pirotécnico digno das areias de Copacabana. Era hora de retornar para a tão esperada ceia, mas ninguém mandou o script para São Pedro e caiu um temporal daqueles. A estrada de volta foi interrompida pela queda de uma encosta, a rede de energia começou a falhar e a comunicação tornou-se escassa. O tal script também não foi passado para o pequeno que iria ser chamado João e acabou Cristiano por conta do desenrolar da história que veio a seguir.

Nossa bela anfitriã repentinamente sentiu uma enxurrada por entre suas pernas, e não era água de chuva. Tentou chamar um dos empregados, mas a casa era tão grande que com aquele dilúvio lá fora ninguém podia lhe ouvir. Correu para o telefone, mas nem marido nem médico podiam ser contatados. Permaneceu um tempo sentada, mas logo se viu obrigada a levantar e achar um solução para as contrações que se seguiram. A chuva começava a diminuir quando ela chegou à beira da estrada. Não houve tempo para chegar além dos umbuzeiros, e foi embaixo de um deles que ela sentou-se e rezou para todos os santos que conhecia, suplicou a Jesus que naquele dia tão simbólico a protegesse e trouxesse seu filho ao mundo com saúde. Já era 25 de dezembro e como que um milagre aquela mulher sentada no chão realizou que todo aquele banquete, todos os convidados importantes e toda a vida fútil que vinha levando perderam o sentido. Pensou tanto em seu marido, nas muitas vezes em que tinha tentado lhe mostrar o verdadeiro sentido da família, que ele pareceu se materializar diante de seus olhos. Não se tratava de um sonho. O marido tinha conseguido sim encontrá-la na estrada, no entanto não havia tempo para hospitais, salas de cirurgia, fotografias nem para o séquito de bajuladores. Eram só eles três e a frondosa imagem daquele umbuzeiro.

E foi ali, diante das lágrimas do pai e da mãe, e de promessas maternas de que seria criado com valores diferentes dos quais tinham lhe servido até então, que nasceu o pequenino, que agora seria chamado Cristiano, e marcou a guinada daquela família. E todo Natal passou a ser mais amor do que inúmeras viagens de compras, mais união do que grandes jantares, e mais presença do que presentes.

P.S.: alguma coisa neste conto foi quase verdade.

sábado, 18 de dezembro de 2010

MÃES EMPREENDEDORAS (do Diário da Multimulher)


A palavra empreendedorismo está na pauta do dia, sendo apontado como uma das possibilidades para o crescimento da economia. Trata-se da capacidade de inovação, de criatividade e de transformação do conhecimento – tudo haver com a multimulher. Tanto que hoje se fala em empreendedorismo materno. Pessoalmente nunca tinha visto o termo aplicado desta forma, até bem pouco tempo, quando assisti a um programa de televisão sobre o tema. As mães empreendedoras são profissionais de todas as áreas; jornalistas, fotógrafas, arquitetas, administradoras, dentre outras. O que elas têm em comum? Encontraram na maternidade o impulso para criar novos negócios, estabelecendo uma mudança na sua vida profissional, principalmente com o intuito de vivenciar a maternidade mais plenamente. São histórias encantadoras de mães que decidiram priorizar seus filhos e tiveram a possibilidade de se adaptar profissionalmente.

Para o casal, ter um filho representa uma modificação absoluta na forma como vinha sendo sua rotina. No caso da mulher estas mudanças são mais radicais, desde a questão física que se instala com a gestação, sendo notória a revolução porque passamos ao exercer a maternidade. Em maior ou menor grau é preciso fazer alguns ajustes em função dos pequenos, internamente, fisicamente no ambiente em que vivemos e em todas as áreas da nossa vida. Inicialmente parece que somos dragadas para o olho de um furacão, mas depois as coisas vão se ajeitando e tudo que queremos é curtir nossa cria, estar com nossos filhos quando aprendem a andar ou dizem as primeiras palavras. Voltar ao trabalho nesse período é muito difícil, é um tempo de angústia por vários motivos – estar longe de nosso bebê, com quem e onde deixá-lo. A maioria de nós tem uma expectativa da maternidade que simplesmente não se encaixa com um trabalho em tempo integral, algumas por questões até filosóficas; querem elas mesmas dar os cuidados aos filhos, ou mantê-lo em amamentação de livre demanda. Toda esta atmosfera acaba por nos levar a repensar escolhas e invariavelmente se questiona o lado profissional, a posição de importância que ele ocupa e como conciliá-lo com a vida de mãe. Neste momento entra em cena a capacidade criativa, aparentemente muito mais aguçada, e várias maneiras são encontradas para por em ação o tal empreendedorismo materno.

Uma pesquisa americana revela que cerca de 40% das mulheres que criaram seus próprios negócios tiveram a idéia quando estavam grávidas ou no primeiro ano dos filhos, e a maioria delas atribuem o sucesso às habilidades desenvolvidas depois da gravidez. São exemplos de mulheres que passam a trabalhar em casa ou que adaptam a jornada de trabalho utilizando idéias que vieram justamente da necessidade e que são fruto do novo universo do qual passaram a fazer parte. Tem gente que passou a produzir determinados tipos de roupas para bebês porque não achavam tipos específicos no mercado, mulheres criando roupas mais apropriadas para amamentar porque ela própria teve dificuldade na hora de lidar com isso, outras lançaram moda com os mais variados tipos de slings (aqueles panos para carregar os bebês junto ao corpo), enfim, todo tipo produto que tenha haver com este mercado infantil. A movimentação é tão grande, que algumas empresas de fomento já se voltaram para este nicho de mercado, grupos de discussão, sites de divulgação (inclusive mães cujo empreendimento foi criar ferramentas para instruir estas mulheres e para divulgar suas atividades). É uma verdadeira rede, afinal uma mãe sempre tem uma dica para passar para a outra e trocar experiências ajuda muito.

O texto é sobre mães empreendedoras, mas no quesito filho não pode haver conversa que também não envolva o pai. É claro que eles experimentam a paternidade de forma distinta da nossa, eventualmente parecendo menos intensa, porém o que acontece é apenas um retrato das diferenças de gênero – homens externam seus sentimentos de uma maneira diferente da mulher, e ponto.  A maneira masculina de lidar com a chegada das crianças vem mudando, conheço vários paizões que participam profundamente da vida dos pequenos, e de fato também se transformam inclusive profissionalmente, a exemplo do jornalista Renato Kaufmann, autor do livro “Diário de um grávido”, em que conta esta transformação.

Então, seja como for, mães (ou pais) empreendedoras são as guerreiras da atualidade, correndo atrás de exercer da melhor forma possível a multimulher que nos habita.

Serviço:

Uma página musical

Feliz aniversário!

sábado, 11 de dezembro de 2010

Hey, John!




Abri os olhos com Catarina cantarolando “I wanna hold your hand...” Pensei no quanto os Beatles ultrapassaram seu tempo, seguem reverenciados por gerações, servindo até como elo de ligação entre elas, uma vez que esta paixão passa de pai para filho. Exemplo disto pode ser visto em recente visita de Paul McCartney para shows no Brasil - familias inteiras correndo para os estadios na mesma sintonia. Estes pensamentos ficaram muito mais recorrentes porque nesta semana se completa 30 anos que John Lennon foi assassinado.  Sou fã da boa música, e como tal ouço Beatles, como se costuma dizer, forever! Deste tipo de idolatria surgiu o termo “beatlemania”, termo que a imprensa britânica passou a usar para designar a imensa popularidade dos meninos de Liverpool. Lennon entrou para a história já por seu destaque no grupo, onde escrevia grande parte das letras, e conseguiu manter-se sob os holofotes mesmo após deixar a formação, mas confesso que a fase inicial é a que mais gosto - aquela garotada toda histérica, aquelas perseguições emocionantes, tudo que dominou de forma absoluta o cenário daquele tempo.

Vários foram os documentários exibidos esta semana, forma de tributo ao ídolo que nunca morre; sua obra com e sem os Beatles se perpetuou. Tenho especial admiração por pessoas que se reinventam ao longo de sua existência. E assim foi Lennon - para horror dos “beatlemaníacos” sua transformação tem como marco seu encontro com Yoko Ono – nos anos 60/70 era um jovem irreverente, inconseqüente, formando a dupla mentora do grupo com Paul McCartney; depois foi influenciado pela forma de manifestação artística de Yoko, passando a atuar de forma menos convencional e com ativismo político, no estilo love and peace. Diferentemente de vários astros de sua época, não morreu de overdose, livrou-se das drogas  a tempo de na sua carreira longe dos Beatles passar a dar vazão aos ideais libertários, constituir uma familia. Aliás tem uma passagem do documentario "Simplesmente Lennon" que mostra muito esta fase familia, em que John resolve ir direto para casa para ver o filho ainda acordado. As mudanças na vida dele foram tantas, que os próprios admiradores ficaram meio perturbados; aquele  que pregava contra o consumismo agora morava no quarteirao mais cobiçado da cidade. Para mim representa a transformação normal que as pessoas têm e devem ter, um crescimento na arte e na vida. 

Tanta coisa de sua autoria, das diversas fases, vêm à mente...”come together”, “stand by  me”, “give peace a chance”, “all we need is love”, “you may say I’m a dreamer, but I´m not the only one”, e tudo que embala até hoje momentos memoráveis da vida de cada um. Era um poeta, disse frases que ecoam até hoje; uma em especial sempre me dar forças: “quando fizeres algo nobre e belo, e ninguém notar, não fique triste, pois o sol toda manhã faz um lindo espetáculo e, no entanto, a maioria da platéia ainda dorme”. E as tais manifestações político/artísticas nada convencionais? A lua de mel com Yoko Ono ficou conhecida como “bed in”, uma forma que encontraram de se juntar à contracultura balisados por personalidades da época que lutavam por ideais diversos, e ironicamente questionar porque perder o sono com a paz mundial. Seja como for, apesar do ato insano de um fanático, alvejando o artista em frente ao Edifício Dakota com cinco tiros em 08 de Dezembro de 1980, John Lennon ainda está vivo aos 70 anos, tal a forma como marcou a humanidade.

sábado, 4 de dezembro de 2010

FAÇAMOS A NOSSA PARTE



"Eu não dou dinheiro na mão de bandido!" Esta frase dita pelo cantor, ator e jornalista Léo Jaime em entrevista sobre criminalidade ficou impressa na memória (em que pese o fato de ainda não ter opinião formada a respeito de sua campanha em prol da descriminalização das drogas). Trouxe bem a medida do quanto a postura do indivíduo é fator determinante no tipo de sociedade que queremos ter. É a questão do cidadão de bem escolher o lado em que está, e aquela simples assertiva faz a diferença quando tomada como princípio. O tal bandido (seja qual for o tamanho da contravenção ou delito) estará sendo fortalecido, provavelmente em certas ocasiões estará ali sendo forjado. Enconde-se neste cenário um ciclo vicioso de alta periculosidade. Não há espaço para concessões quando o assunto é criminalidade – dar um “jeitinho”, comprar produtos piratas, pagar propina para escapar de uma multa, ser o comprador que sustenta o tráfico de drogas; em maior ou menor grau são formas de alimentar o crime.

Generalizou-se a coisa, muitas vezes tida como natural e inofensiva, desde a compra de um CD pirata até o uso recreativo de drogas e entorpecentes. Alcança todas as esferas da criminalidade, até os corruptores e pagadores de propinas, junto com os corruptos e os subornados. A tese de que a conduta de cada um pode fazer a diferença parte da premissa de que se há os que seguem vendendo é porque há os que compram; a simples lei da oferta e procura. Pode parecer um exagero quando, por exemplo, tomamos o caso da pirataria – tão inocente comprar uma cópia baratinha do filme que ainda está em cartaz, afinal vendem os originais a preços tão altos! (de fato os preços são altos, carregados que são pelos impostos). O outro lado a ser analisado é a indústria que há por trás destas vendas, de sonegação e de enriquecimento de atravessadores, às custas do trabalho de artistas e técnicos. Dá o famoso “jeitinho” para fugir de uma multa à primeira vista não prejudica ninguém, mas pense no tipo de mentalidade que se fomenta, no tipo de ensinamento que passamos para o nosso filho sentado ali no banco de trás, sem falar que se estamos infringindo a lei temos que arcar com o ônus.

Obviamente, como descrevem os criminalistas, a violência de um modo geral tem causa multifatorial, dentre eles já conhecidos fatores condicionantes como a fome, a exclusão e a desigualdade social. Não há como não bater mais uma vez na mesma tecla - questão da educação. É da educação de qualidade que podemos esperar uma mudança no comportamento do indivíduo, até por esta lhe proporcionar maiores oportunidades. A impunidade também está entre as causas apontadas, pois é difícil ver os crimes serem julgados e os culpados punidos com a morosidade da justiça e com o sistema prisional que temos. A sensação de que se pode tudo e que dificilmente se é pego faz com que viver na marginalidade seja fácil. Ainda assim, é da atitude individual que se constrói a face que dada sociedade tem.

Talvez resida aí a origem de tudo, na falsa impressão de que os comportamentos são todos isolados e que não repercutem no todo. É preciso escolher de forma reta o seu caminho e ser rigoroso em relação a ele. Desde o simples troco errado no supermercado, agir com honestidade nos atos mais corriqueiros do cotidiano. É comum apontarmos o outro e darmos explicações alheias à nossa capacidade de intervenção, mas como exercício vale olhar nossas próprias atitudes. Não podemos nos isentar de nossa responsabilidade. E façamos nossa parte!

sábado, 27 de novembro de 2010

Ai que endurecer, pero ...



Nestes últimos dias assistimos a uma explosão de violência no Rio de Janeiro, praticamente uma guerra, que expõe uma ferida existente no país inteiro. A sensação de impotência é generalizada e o enfrentamento que as policias dão a esta questão está na pauta do dia. Combater crimes dos mais diversos, neste momento com atenção especial ao trafico de drogas, exige um trabalho de inteligência, mas muitas vezes depende da força bruta. E qual deve ser a intensidade desta força?

A impressão inicial quando discuto o modus operandi das forças policiais no cotidiano do cidadão é de truculência. Conversando um pouco sobre o assunto chega-se ao incômodo senso comum de que as abordagens de fato não são nada gentis, mas que por outro lado o agente fardado que pára um automóvel numa blitz não sabe que tipo de pessoa vai encontrar dentro dele e portanto precisa estar na defensiva. Estas impressões são bem diferentes quando se pensa no confronto direto com bandidos. Me faz lembrar Tropa de Elite e uma frase dita pelo Capitão Nascimento vivido por Wagner Moura (abro um parêntese para me declarar fã) – “para a sociedade, bandido bom é bandido morto”. E nesse cenário entra uma questão importante, muitas vezes delicada, que é a dos Direitos Humanos.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento adotado pela Organização das Nações Unidas, toca a atuação das forças policiais quando declara que ninguém será submetido a tortura e tratamento cruel, desumano ou degradante, e ainda quando declara que ninguém será detido arbitrariamente. Destes princípios derivam a noção de que episódios como o do Carandiru (assim popularizado) ferem a maneira aceitável de lidar com criminosos. Partem da noção da dignidade humana, defendida por diversos segmentos sociais, em que a necessidade de repressão aos crimes passa longe dos maltratos. Citando mais uma vez o filme, quando assisti a continuação fiquei apreensiva com modo como iriam tratar dos “intelectuaiszinhos de esquerda”, justamente na abordagem à questão dos Direitos Humanos, porém com o desenrolar da fita fica claro que estes têm seu valor reconhecido. Na outra ponta da equação o personagem principal nos remete a um desconcertante desejo de que em muitas situações a força seja usada de forma exagerada na relação polícia-bandido. Não é isso que reza a Declaração Universal dos Direitos Humanos, ainda que queiramos  trazer à tona os crimes mais hediondos.  

Um aspecto fundamental quando se analisa a medida da força policial no enfrentamento da criminalidade é que o cidadão comum está sempre no entorno e precisará ser preservado a todo custo. Imagino que numa ação policial coordenada se possa evitar mortes de inocentes, e talvez seja este o caminho – comandar ações de embate direto com ações de inteligência. É pressuposto da função policial só usar a violência em último caso, quando todos os outros recursos estão esgotados. Não se pode colocar este agente na figura do exterminador de criminosos, quando na realidade seu objeto é o crime. O problema é que com a crescente violência estes conceitos acabam sendo subvertidos, e a sociedade, ora refém, termina por endossar o uso abusivo da força. E como não se sentir assim, se seu direito de ir e vir muitas vezes é cerceado, você se sente meio prisioneiro em sua própria casa, começa a olhar qualquer estranho com desconfiança e o medo se generaliza? Mesmo parecendo natural, a sociedade não pode deixar de indignar-se e seguir tolerante a determinados atos, esquecendo-se de que o indivíduo é inocente até que se prove o contrário, dando direito a todos de ser amplamente defendidos em juízo (quantos são os casos que se noticia de pessoas mortas por engano).

Concluo que medir e determinar a força empregada pelas polícias é tarefa impossível, porém é fácil ver quando agem com arbitrariedade, e é este comportamento que deve ser rechaçado, desde a simples abordagem a cidadãos comuns numa blitz até o confronto direto com bandidos. Ainda mais quando sabemos o quanto estas forças estão também infiltradas por desvios de conduta e criminalidade, muitas vezes deixando dúvidas do papel que desempenham – mocinho ou bandido. Espera-se que respondam com firmeza, mas sem truculência, agindo com precisão e não de forma anárquica, nos protegendo e não transformando todos nós em vítimas potenciais. Não é fomentando a matança que será resolvido o problema da criminalidade, que tem raízes profundas na forma como nossa sociedade vem se organizando. A criminalidade não é apenas assunto de polícia, é antes de tudo assunto das políticas sociais no que tange a educação de qualidade, infraestrutura e oportunidades de emprego.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Música para maninha

Ela é uma mulher de sagitário
Regida pelas palavras sinceridade, independência, amizade e liberdade
Esta mulher hoje vira mais um ciclo e se reiventa
Nova chance de ser o que não foi
Oportunidade de repetir os acertos
E como só Djavan poderia dizer
"Esse imenso e desmedido amor
Vai além de ser o que for"


domingo, 21 de novembro de 2010

E COM VOCÊS... A VERDADEIRA MULTIMULHER!




E Deus fez a genética! Graças a isto trazemos no DNA heranças das mais diversas. Herança que evoco quando trago à tona o alterego multimulher, não como uma forma de me vangloriar, mas para apontar um elo entre todas nós. Obviamente nem toda mulher deseja ou precisa se desdobrar em múltiplos papéis, ainda que um fato não se possa refutar: tem gente que nasce para isso.

Pois sim, a multimulher vem de longe, dos tempos em que minha mãe, com os filhos pequenos se multiplicava para desempenhar todas as tarefas dentro e fora de casa. Penso que ser multimulher em outras épocas era muito mais pesado. Longe de ser uma opção, era o que lhe delegava a sociedade em que o homem era criado para ser o provedor e ponto. A mulher que de forma libertária desejava andar fora destes trilhos era discriminada. Hoje se opta por ser “mãe em tempo integral” ou conciliar filhos e profissão, podendo estar temporariamente num papel ou noutro e se recolocar no mercado de trabalho; as expectativas pessoais também são outras, havendo possibilidades maiores de planejamento familiar. Nos tempos em que ser “dona de casa” é quase um palavrão, minha mãe acha estranho quando ter uma família não é uma primeira escolha ou quando suas filhas querem dividir igualmente as tarefas com os maridos.

As diferenças também incluem um ponto de vista prático – os recursos tecnológicos nos permitem ter maior agilidade no trabalho doméstico, maior interatividade entre as pessoas, formas de vigilância domiciliar sem sua presença física e novas modalidades de entretenimento. O mundo moderno, dito globalizado, também aproxima as gerações, fazendo com que muitas lacunas antigas já não existam mais.

Ainda assim, como diz o antigo slogan, “nada substitui o talento”. É preciso ter o dom de se multiplicar, é preciso muito amor para se doar e não estar em primeiro lugar. Não faço a apologia da anulação de si próprio; refiro-me àquela generosidade atemporal que transforma as pessoas. Ter talento para desatar nós, resolver toda sorte de problemas, ser aquela que acha tudo numa casa, a que comanda a equipe de trabalho com tranqüilidade, a que sabe resolver o almoço do batalhão, a que corre para deixar o filho na escola e na volta passa no supermercado, a que fica linda e cheirosa e só sai depois que nina a prole, a que é um ombro amigo de todas as horas e a que, acima de tudo, é feliz com seu jeito de levar a vida.

Mulheres assim são na verdade raras, difíceis de repetir, mas é possível tomá-las como exemplo. E quem sabe a tal genética nos favorece presenteando com esta essência fabulosa capaz de suavizar tão árdua empreitada. Considero importante elogiá-las, e principalmente, tecer os elogios enquanto estamos juntos para que no futuro o não ter dito não seja um arrependimento. Costumo repetir que se eu for metade da mãe que a minha é, já estarei satisfeita. É um jeito de lhe dizer o quanto sua atuação em todo o meu caminho é marcada por acertos, plena de amor e digna de se orgulhar, podendo assim desejar Feliz Aniversário. Com certeza muitos filhos comungam desta admiração por sua mãe e não deixa de ser também uma homenagem coletiva. Nesse caso em particular, ser abnegada, manter os filhos como absoluta prioridade e educar ao velho estilo “faça de mim uma escada” foram lições que sempre me acompanharam (me agarro com todas as forças à máxima de que filho de peixe, peixinho é), e me estimulam hoje a tentar plagiar a verdadeira multimulher. 

sábado, 20 de novembro de 2010

CONSCIÊNCIA NEGRA

Mais uma pincelada na cor do Novembro Negro, especialmente no dia de hoje.



Ainda nesta ótica, leia excelente post no Biscoito fino e a massa .

Nos porões de um navio negreiro
Conta-se do martírio de um tempo
Lágrimas de um continente inteiro

Canaviais e cafezais
Nova casa, novo tudo
A liberdade não me cabia mais

Muita luta travada
Alforria formal assinada
A princesa ora pressionada

E volto ao cativeiro
Refém da miséria
Da falta de instrução
Insatisfação

Por muito excluído da escola
A ignorância me devora
Realizo onde o poder mora
É na busca diária pelo conhecimento
Reconhecimento
Expulso o sofrimento

Tal fênix renasço
Pela força da consciência me refaço
Estou diante de um novo horizonte
Onde é possível que tudo se reconte
A terra cultivada por mim
Pode ser meu porto seguro enfim

sábado, 13 de novembro de 2010

O PERIGO MORA AO LADO!



Não é à toa aquela expressão “criança cega a gente”. Chega a ser desconcertante, como citou a pediatra Denise Katz em entrevista sobre acidentes com crianças. Ela destaca que basta um segundo para as crianças escaparem do olhar dos adultos e aprontar alguma estripulia, além do que, é próprio da natureza infantil a falta absoluta de noção do perigo a que se expõem.

Quando minha amiga Ana Lísia, mãe de Gui, e com preocupações maternas bastante peculiares me apresentou a iniciativa do grupo Ergotríade (http://www.ergotriade.blogspot.com/), especializado em ergonomia, segurança no trabalho e saúde ocupacional, veio ao encontro a um aspecto que me causa apreensão e a todos que lidam com crianças (pais, avós, professores, cuidadores e afins). Trazem uma orientação técnica de segurança, tipo que precisa ser massificada, uma vez que os números em termos de acidentes com crianças são alarmantes.
  
Em 2008 a OMS e o UNICEF divulgaram o Relatório Mundial sobre Prevenção de Acidentes com Crianças e Adolescentes, fruto de discussão entre especialistas do mundo inteiro, confirmando-se uma impressão já presente no imaginário coletivo - toda criança tem o direito de crescer e se desenvolver em ambientes seguros, protegidas dos riscos de acidentes.  Muitas vidas poderiam ser salvas integrando a prevenção de acidentes a outros esforços globais voltados à saúde da criança. Sendo assim é importante o desenvolvimento de ambientes, comunidades e serviços de emergências adequados às especificidades da criança.

Os acidentes, ou lesões não-intencionais, representam a principal causa de morte de crianças de 1 a 14 anos no Brasil. É triste, mas real a constatação de que tudo isso tem haver com a pobreza e condições de vida em nosso país – o mesmo relatório da OMS/UNICEF aponta que crianças de comunidades pobres estão mais expostas aos acidentes por geralmente viverem em casas com maior risco de incêndios, janelas desprotegidas, parapeitos e escadas sem segurança ou locais de trânsito intenso. No total, mais de cinco mil crianças morrem e cerca de 137 mil são hospitalizadas anualmente, segundo dados do Ministério da Saúde, configurando-se como uma séria questão de saúde pública. Por outro lado, o que é também um alento, os estudos mostram que pelo menos 90% dessas lesões poderiam ser evitadas com atitudes de prevenção. 

Considerando-se um problema de saúde pública, as orientações das políticas públicas também integram diretrizes para a abordagem da prevenção em vários níveis, inclusive no contexto da escola de forma transversal no ensino fundamental, o que revela o tamanho da preocupação que o problema merece. Colocarmos a questão desta forma não exime a responsabilidade de todos, o que exige um comprometimento individual. Nesse sentido a movimentação sobre o tema nos diversos setores da sociedade é enorme, mas ainda há muito que se discutir e conscientizar. A ONG Criança Segura (http://www.criancasegura.org.br) instituiu o Dia de Prevenção de Acidentes com Crianças, como um meio de alertar e gerar discussão sobre o tema. Nesta linha de prestação de serviço a organização mantém ainda seu site com dados e dicas de prevenção a acidentes.

As estatísticas mostram que a maioria dos acidentes envolvendo crianças acontece em casa, mais comumente na cozinha ou no banheiro, o que reitera aquela necessidade que citei anteriormente do comprometimento de cada indivíduo nestes cuidados, demandando atenção redobrada ao movimento dos pequenos. Algumas empresas no mercado para crianças se especializaram nesta área de segurança doméstica, produzindo travas, pisos antiderrapantes, banquetas especiais, protetores de vasos sanitários e de quinas, portãozinhos, tampa para tomadas e vários outros dispositivos, todos capazes de aumentar a segurança dos espaços. Desde bebês, o cuidado com a seleção dos brinquedos, forma de oferecer os alimentos, posição em que colocá-los para dormir e várias outras orientações devem ser atentadas. Existe uma campanha da Pastoral da Criança especificamente voltada para o fato de que dormir de barriga para cima (em oposição a o que os mais antigos orientavam de colocar os bebês para dormir “de bruço”) pode reduzir em até 70% o risco de morte súbita nos bebês.

As crianças precisam desbravar o mundo, explorar os espaços, brincar e experimentar como parte de seu desenvolvimento, não cabendo, portanto, impedi-las, porém o que fica muito claro é que nada substitui a supervisão ativa e constante de um adulto.

Aqui vão algumas dicas do manual da Ergotríade:
Segurança em casa
Na cozinha (de preferência isolar a área, pois cozinha não é lugar de criança):
1.    Panelas – deixar apoiadas com os cabos para dentro, preferir as bocas de trás do fogão
2.    Facas e objetos cortantes – sempre fora do alcance
3.    Fósforos e isqueiros – proibição total ao acesso, repreenda as brincadeiras. Fogo não combina com criança.
4.    Piso molhado – providencie algo para entreter as crianças enquanto se lava a cozinha. Não permita a passagem pelo local enquanto o piso estiver molhado.
5.    Remédios – por serem coloridos despertem a atenção das crianças. Mantenha-os juntos, armazenados, longe do alcance. Evite ingerir diante das crianças para não despertar o interesse.
No banheiro:
1.    Manter sempre fechado.
2.    Banheiras podem oferecer risco de afogamento – nunca deixe as crianças sozinhas.
3.   Espelhos – o reflexo da imagem causa curiosidade, principalmente os de corpo inteiro, podendo levar ao risco de quebra quando a criança se esbarra ou lança algum objeto.
4.   Vasos sanitários – não permitir que subam e mantê-los de preferência travados pelo risco de acesso à água, podendo haver até afogamento.
No quarto e na sala:
1.    Cuidado com as janelas – em apartamentos, independente do andar, uso grades ou telas de proteção. Estas devem ser instaladas por empresas especializadas.
2.    Fiações elétricas e tomadas – não permitam que as crianças manipulem, de preferência use protetores de tomadas
Na piscina:
1.    Supervisão constante.
2.    Piscinas móveis devem ser desmontadas e esvaziadas após o uso e as fixas isoladas por grade de pelo menos 1,5m.
3.   É muito aconselhável que as crianças aprendam a nadar (com profissionais especializados)
Animais:
1.    Faça o período de adaptação da criança com o animal, quando a chegar deixe o animal se aproximar desde o início e perceber que é um novo membro da família para evitar o ciúme.
2.    Ensine a criança a respeitar e cuidar do animal, mesmos os mais dóceis podem responder instintivamente se agredidos.
3.    Supervisione as brincadeiras
Estranhos:
1.    Eduque desde cedo seu filho não dar atenção a estranhos.
2.    Orientação específica aos maiores ao andarem na rua, permanecer afastados de estranhos, se perceberem aproximação mudar de calçada ou inverter o sentido.
3.    Shoppings são locais favoritos para escolha de vítimas – se os maiores já vão sozinhos, ensine-os a não conversar com estranhos, a qualquer suspeita falar com o segurança do shopping. Não dê muito dinheiro, apenas o necessário.
Parques e playgrounds:
1.    Atenção especial com o estado de conservação dos brinquedos e itens de segurança.
2.    Em parques maiores, com crianças maiores, que não vão ficar todo o tempo sob sua visão, combinar pontos de encontro, se possível manter comunicação por rádio.
Na Escola:
1.    Vá às reuniões, conheça os amigos dos seus filhos e como é seu comportamento.
2.    Oriente desde cedo sobre o perigo das drogas.
Na praia:
1.    Se você quer curtir a praia, relaxado sem pensar em nada, não leve as crianças.
2.    Observação constante, atento ao grande número de pessoas circulando e ao mar.
3.    Cuidado com o sol – as duas únicas coisas que podem ser consumida sem moderação são água e protetor solar.
Babás e empregadas:
1.    Ao contratar alguém para cuidar de seu filho, não tenha vergonha de parecer chata, exija e cheque referências, faça perguntas, observe o comportamento.
2.    Procure não manter uma constante no que diz respeito a horários.
3.    Converse com seu filho e observe sua relação com a pessoa que o cuida.
4.    Veja seus filhos sem roupas, investigue sobre manchas e machucados.
5.    Se possível instale câmeras na casa – não precisa espionar, jogue limpo e diga que prefere monitorar na sua ausência.
Outros adultos:
1.    Contato com qualquer outro adulto também deve ser alvo de vigilância o quanto possível e sempre de orientação, sejam professores, parentes ou amigos. Mantenha a regra de se manter alerta.
Riscos especiais:
1.    Armas de fogo – livre-se delas ou mantenha compulsivamente longe do alcance e das vistas das crianças de qualquer idade.
2.    Cofres – são a representação de riqueza e atrai bandidos, portanto não deixe que as crianças saibam que há um em casa, elas poderão revelar a terceiros. Para os maiores, que não dá para esconder, não revele senhas e códigos.
3.    Pipas – brincadeira sempre supervisionada, em local livre de redes elétricas e trânsito de carros.
4.    No carro – crianças menores de oito anos sempre no banco de trás e com sinto de segurança; as crianças menores devem ser transportadas em cadeiras e acentos especiais; cuidado especial com o travamento das portas.
5.    No transporte escolar – antes de contratar dedique um tempo para colher informações sobre o serviço, converse com outros pais, inspecione o veículo, exija documentação completa do motorista e ensine seu filho como se comportar durante o transporte (permanecer sentado, obedecer às orientações do monitor, só descer com o carro totalmente parado, não fazer algazarra e conversar com o motorista).
6.    Na Internet – manter bom relacionamento e confiança mútua com seu filho, oriente o que deve ou não acessar, esteja atento ao tempo que as crianças permanecem no computador. Programas espiões vão além do zelo, uma vez que violam a intimidade do seu filho; pode funcionar com os menores, mas para os filhos maiores não é adequado.

sábado, 6 de novembro de 2010

AO MESTRE COM CARINHO

To sir with Love, tema de um dos melhores filmes que já vi, com Sidney Pottier.


Lulu - To Sir With Love - 1967



Magno Burgos era um mestre. Já de saída brigava com o próprio nome, que dizia ser um adjetivo. O aguerrido militante político, a voz lúcida e questionadora nas rodas dos amigos de toda uma vida, merecia sim tal adjetivo como nome.

Nunca fui muito afeita a discussões sobre política. Sendo bastante franca, meu entendimento era pífio. A coisa foi mudando sutilmente nos últimos anos pela convivência com Magno. Ele era capaz de envolver com eloqüência e firmeza, nunca com agressividade, o mais distante dos interlocutores.

Dignidade e coerência foram marcas com que esse santamarense (na verdade nascido em Ituaçu, mas criado em Santo Amaro desde sempre) viveu seus oitenta anos.  Vereador pelo PTB em Londrina, preso político (tive a oportunidade de ouvir histórias da Galeria F da Penitenciária Lemos Brito), perseguido pela ditadura militar, ativista na luta pela redemocratização pós golpe de 64, Magno Burgos jamais deixou calar suas ideologias. Acreditava nos ideais trabalhistas, os quais nortearam toda a sua existência, ainda que fora do circuito político oficial, mantendo-se sempre atualizado, enxergava além do exposto na grande mídia. Dono de uma memória formidável, era de uma conversa extremamente agradável, sobre este e outros assuntos.

Nestes dias de eleições ele estaria extasiado. Todo seu movimento pessoal sendo brindado pela eleição da primeira mulher presidente, com uma história de luta contra a ditadura, também presa política e alinhada com sua ideologia social. A verdade é que Magno foi embora na situação, exercício ora tão prazeroso quanto ser da oposição. Mais do que vencer a luta, ele apreciava o bom combate no campo das idéias.

Longe de ser um intelectual recluso, Magno se sentia à vontade mesmo frente aos questionamentos, analisando a conjuntura da época, traçando estratégias. Sabia também ouvir, sendo importante conselheiro em momentos cruciais da nossa história. Sabia ainda ser ranzinza, encrenqueiro, com suas múltiplas caretas, na família se dizia que Magno escondia as coisas de dia para poder procurar à noite; uma figura rara que costumava sentar com as pernas enoveladas uma na outra. Apesar de ser apegado à rotina, freqüentando por muito tempo os mesmos lugares, era também boêmio, conhecido companheiro de copo e conversa que deixa saudades.

Aliás, foi desse tipo de saudade que nasceu um clássico da música brasileira, o qual foi muito bem referido a Magno Burgos: “naquela mesa ele sentava sempre, e me dizia sempre o que é viver melhor, naquela mesa ele contava histórias que hoje na memória eu guardo e sei de cor”. Assim como nesta homenagem de filho para pai, a relação com a família também pautou sua caminhada. A união com os irmãos e primos (na sua época se conseguia criar todos como irmãos) era um dos exemplos mais bonitos que pude presenciar. Com os filhos estabeleceu um laço em que era indissociável amor e admiração mútuos. Magno, Magueu, Vovô Guegueu (“... agora mudei de projeto, eu quero é neto”), é uma daquelas pessoas que se agigantam de tal forma que transcendem a vida.  Apropriando-me de uma frase dita por Daniel; “foi um privilégio desfrutar da convivência com Magueu”.


P.S.: Sob pena de fazer as lembranças causar-lhes sofrimento, peço licença a Daniel, Leonardo e Cristiano. A intenção é colaborar, um pouquinho que seja, para que nossos filhos conheçam e tenham orgulho do seu DNA.


Naquela mesa, composição de Sérgio Bittencourt em homenagem a seu pai, Jacob do Bandolim, por Elizete Cardoso .

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O poder do silêncio




Quem me conhece sabe, não sou de silêncios. Ter opinião sobre as coisas que me cercam, é importante para mim. Mais que isso, deixar o silêncio exercer seu poder de permitir que injustiças aconteçam, me parece inaceitável. Como tenho usado a rede para me manifestar e me conectar, ainda que com um número relativamente pequeno de meus bons amigos, me sinto na obrigação de fazê-lo agora para não ser conivente com meu silêncio.

Aos que ainda não tiveram acesso, a onda de xenofobia que tem assolado a rede desde que a nova presidente foi eleita no último domingo é vergonhosa. Os reacionários (que fique claro obviamente não engloba todos os sulistas ou serristas) andam culpando o Nordeste pela derrota de sua ideologia. Aqueles que também repudiam estas atitudes precisam se manifestar publicamente com seus pares. Quero pontuar que Dilma ganhou no Nordeste sim ( o que já era esperado, uma vez que no governo atual houve um olhar para esta região), perdeu em São Paulo (por diferença muito menor do que se viu em estados do Nordeste), mas ganhou no Rio de Janeiro e, para surpresa de alguns, em Minas Gerais (ah, estão culpando também Aécio pela derrota).

É bem verdade que nós nordestinos sabemos que esta é mais uma onda de xenofobia como muitas outras que já ocorreram. Quantos de nós, morando ou de passagem pelo sul/sudeste, não tivemos que responder (ou não) a piadinhas com  “baianada”, “oh, paraíba!”, “cabeça chata”, e por aí vai. Nada de disso nos detém, portanto não vai ser agora que vamos nos calar e nos sentir menores. A falácia do Brasil dividido tem mais uma vez que ser rechaçada, principalmente por nós que convivemos com quem tem opiniões contrárias. Disseminar o racismo e o separatismo é também uma forma de violência.  

Agora os autores têm nome e sobrenome, quem sabe facilmente encontrados, e portanto também alvo de processos no Ministério Público e na Polícia Federal. Quem sabe assim, com ações reais, fora do campo das idéias, se consiga manter nossa sociedade afastada do facismo que tem chegado travestido nas mais diferentes vestes?

Com a esperança de poder voltar a falar em temas mais amenos, reproduzo parte de texto do Diego Casaes, já reproduzido em outros meios:

... O fato de que o Nordeste sempre foi a região menos favorecida do país é algo bem conhecido. A região tem os piores índices de desenvolvimento do Brasil, os investimentos do governo sempre foram menores (com uma mudança clara no governo Lula) e, colocando em termos bem claros, ninguém nunca deu a mínima para as famílias que morriam de fome por aqui durante muito tempo.

O Nordeste sempre foi negligenciado pelo Brasil, e quando havia formas de colocar isso pra fora, externalizar a situação, a oportunidade era amputada, seja pela sensação de mais uma novela, ou mesmo pelo caráter cretino da mídia de massa desse país. Precisava (e ainda precisa) que venha um gringo –ou alguém que trabalha sob um olhar estrangeiro– pra gente enxergar as coisas de uma nova forma (leia esse texto da Al Jazeera tradução aqui), e ver que há mudanças, que há vozes ali a serem escutadas e vidas humanas a serem preservadas.

Um pouco de minha insatisfação se deve ao fato de eu saber que há maneiras bastante eficazes de disseminar discursos que se oponham ao ódio na rede. Movimentos coletivos e com propósitos bem definidos e articulados de sensibilização podem atingir uma repercussão muito grande. Óbvio que isso não vai mudar o (mal) caráter dos racistas e preconceituosos, mas vai mostrar pra aquele que tá no meio do fogo cruzado que histórias sempre têm mais de um lado...

...O que eu vejo que pode acontecer aqui no Brasil, é algo parecido com o que o pessoal da Libéria fez, com suas devidas dimensões e considerações é claro.

CeaseFire Liberia uniu a diáspora do país com os que ficaram/retornaram à Libéria quando a guerra civil acabou, e estabeleceu diálogos para mudanças positivas. Minha comparação tem um objetivo claro: falar pra essa galera do Nordeste que mora no sul do país que tome uma ação e divulgue o que há de bom por aqui, e que somos pessoas comuns e capazes, como qualquer outro indivíduo.

Aos meus amigos do Sul, o dever de vocês é partilhar dessa empreitada, e mostrar que esse pensamento mesquinho não representa a sociedade sulista. Digo que isso é um dever, pois é obrigação de cada povo, de cada pessoa, defender a verdade. No dia que a gente fizer isso e deixar de ser conivente com as situações de desconforto, esse país vai mudar pra melhor de forma significativa...

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

MULHERES NO PODER!



Uma mudança na rotina do blog para pontuar o momento político em que vivemos. Como multimulher não posso deixar de destacar as eleições para Presidente da Republica do Brasil. Seja você de que tendência política for, há de reconhecer que uma mulher na presidência pela primeira vez é uma total mudança de paradigma; ponto para o nosso “Clube da Luluzinha”.

Os números são muito claros – a ultima vez que uma mulher esboçou comando no Brasil foi no século IX, quando a Princesa Isabel substitui seu pai por curto período; o Brasil ocupa o 111° lugar no mundo em representação política feminina; apenas 11% das diretorias das empresas brasileiras são comandadas por mulheres. O avanço é lento, mas é visível. E tem que mudar, afinal cerca de 21% dos lares brasileiros hoje são comandados por mulheres, e as duas maiores economias da América do Sul agora serão chefiadas por mulheres.

Como mulher, negra e de origem proletária, não tenho como passar ao largo desta onda de novo ânimo, de pensar a sociedade brasileira num caminho mais igualitário, onde as questões de gênero sejam mais atentadas.

Independente do voto de cada um de nós no ultimo domingo, há que se reconhecer ainda que a mulher que foi eleita conseguiu reproduzir na vida pública o que nós (multimulheres) fazemos todos os dias – se reinventou – de jovem atuante, presa política e torturada a burocrata firme e exigente, de simples desconhecida a eleita sem nunca antes ter concorrido. Lembre-se nesta jornada de reinvenção a luta contra um linfoma, que tudo teve haver com a transformação de visual (bem ao estilo multimulher).

Não posso concluir sem depositar esperanças de melhora, desejar a melhor sorte possível; o que der certo vai ser obviamente bom para todos nós. Que a presidente eleita consiga provar não ser apenas uma entidade forjada pelo governo anterior e possa dar passos firmes com suas próprias pernas. Mulheres no poder! 

sábado, 30 de outubro de 2010

Coragem de mãe (Mais uma da multimulher)




Livro publicado em 2009, transformou-se num sucesso de venda estrondoso, mas só agora tomei conhecimento, e fiquei muito consternada. Este título “Coragem de Mãe”, já há muito conhecido da famosa peça teatral alemã, estava sempre me remetendo a uma outra história. Diferentemente da “Mãe Coragem” de Bertold Brecht, esta não era nada alheia à realidade ao seu redor e operou uma revolução dentro de si com a possibilidade de perda dos filhos.

Sinopse: Coragem de Mãe conta a história verdadeira de Marie-Laure Picat, que com apenas 36 anos foi diagnosticada com um câncer terminal. Mãe divorciada de quatro filhos e com um histórico familiar conturbado, embarcou numa missão para manter sua família unida após sua morte. Contra todas as expectativas, Marie-Laure viveu mais um ano, comemorou os aniversários dos filhos, conheceu o presidente da nação, foi entrevistada pelos jornais mais importantes do país e cumpriu a sua missão. Apesar de suas origens simples, deixou um legado surpeendente para seus filhos e para a França. A história começa em julho de 2008, quando Marie descobriu que tinha um tumor de fígado e que lhe restava pouco tempo de vida. Os médicos lhe disseram que provavelmente não sobreviveria até o Ano-novo e imediatamente o destino de seus quatro filhos entrou em cena. O que aconteceria com eles? Decidida a cumprir seu papel de mãe até o fim, a única meta de Picat era protegê-los e garantir que fossem criados juntos na pequena cidade de Loiret Puiseaux, com o mínimo de mudanças em sua rotina. Mas de acordo com o sistema social francês, não havia garantias de que Julie, Thibault, Matthieu e Margot seriam criados juntos, nem de que viveriam no mesmo lugar onde cresceram. Revoltada com o absurdo da situação, Marie-Laure foi a público. Da noite para o dia, ela se tornou uma celebridade na França. Centenas de pessoas lhe enviaram cartas de solidariedade e, o melhor de tudo: encontrou a menos de um quilômetro de sua casa uma família perfeita para seus filhos. Em parte uma carta de amor, em parte o testemunho de uma vida de muita superação, Coragem de Mãe narra uma história de vida onde a convicção e a força de espírito vencem qualquer adversidade. “Escrevi este livro para meus filhos, para que saibam quem eu sou, e também para que exista uma lei que ampare as pessoas na mesma situação que eu. Não é porque estamos doentes que está tudo acabado.” – Marie-Laure Picat.

Muito se fala sobre a imensidão e a incondicionalidade do amor materno. Pessoalmente, como certamente a grande maioria de nós, experimento essa força avassaladora que me tomou de assalto quando minha primeira filha nasceu e que se multiplicou com a chegada da segunda. É um sentimento, que como alguns costumam dizer, chega a doer, de tão intenso. Algo assim dá muita coragem, e são inúmeros os exemplos de atitudes de mãe que chegaram aos extremos da generosidade e abnegação.

Toda a energia maternal é elevada a potencia máxima quando o bem-estar dos filhos está em jogo, e se faz qualquer coisa para cercá-los de cuidado, aconchego, proteção. O desprendimento materno é capaz de mobilizar muita força dentro de nós, a tal conhecida leoa, feroz, sagaz e incansável.  É às vezes também irracional, incontrolável e exagerado. A arte aqui é saber dosar estas porções e conseguir um equilíbrio. Não é fácil, mas é muito intuitivo, e seguir os instintos pode fazer a diferença na hora que os filhos estão expostos a algum perigo. É claro que o livro é um testemunho para os filhos, além de uma forma objetiva de promover o sustento financeiro deles, mas o seu legado de canalizar esse tsunami de emoções nas situações mais críticas de maneira objetiva, driblando todo e qualquer obstáculo, serve a todos nós.