domingo, 24 de novembro de 2013

PEDOCRACIA????



Recentemente a psicanalista Márcia Neder, professora e pesquisadora da USP e autora de livros como “Mãe desnecessária”, alcunhou a expressão pedocracia para dar nome ao que ela chamou de reinado mirim, a ditadura das crianças. A autora descorreu sobre o assunto em seu mais novo livro; “Déspotas mirins”, e usa o termo para descrever a mudança de mãos do poder nas famílias atuais, que está frequentemente depositado nas mãos das crianças.

Com o termo pedocracia ela não se refere aos pequenos caprichos, manhas e birras das crianças. Se refere a toda uma cultura em torno da criança, a uma certa idolatria, a uma busca de reconhecimento em que os pais passaram a achar que precisam dar sempre mais bens materiais, pequenas recompensas, sentindo-se sempre em dívida, numa inversão de valores em que não se estabelece claramente quem é o adulto na relação. A autora atribui essas mudanças às novas constelações familiares em que o pai perdeu aquele papel de único provedor ( do lacaniano “declínio da função paterna”) e a mãe saiu de casa para o mercado de trabalho, gerando uma “culpa” pela ausência que acabou sendo compensada pela permissividade, pondo o poder nas mãos dos filhos. Tal explicação de forma alguma encerra a questão; existem vários outros matizes nessa cartela de cores. Paralelo às ditas famílias tradicionais, surgiram famílias monoparentais e homoafetivas, que coloca a criança numa posição em que teoricamente requer uma atenção redobrada, tornando-a o centro do tal poder.

Um outro aspecto é a questão de querer ser amigo e acessível ao filho. Parece que mudou realmente o foco na relação entre pais e filhos. Os pais hoje querem ser amados e aprovados. As famílias de antigamente não tinham isso, os pais queriam obediência, eram seres absolutamente distanciados, o que não acho bom. Por outro lado esses pais eram obedecidos apenas no levantar de uma sombrancelha, dificilmente questionado e com maior possibilidade de manter o controle sobre a educação da criança. A grande vocação das gerações seguintes, no que se refere ao comportamento familiar foi se aproximar dos filhos, desejar dar ao filho tudo que não teve, inclusive não repetir o comportamento dos próprios pais, contudo o que se nota hoje é que por vezes se perdeu o equilíbrio. E de fato é uma linha tênue. Já me peguei em conversar com minhas filhas dizendo “sou sua amiga, mas não sou sua amiguinha”. Elaborar uma explicação pertinente, e convincente, para essa assertiva não é fácil, nem mesmo para um adulto.

Há algo ainda apontado como fator neste cenário, que me toca profundamente, que é a idealização da maternidade. O ideal daquela que abre mão de tudo pelo filho, em torno do qual sua vida gira. Isto vem da nossa natureza, do dom de gerar a vida e da missão de cuidar dela. Embarcar nessa viagem parece natural, o único caminho já que os trouxemos ao mundo, contudo é também uma grande cilada na medida em que abdicamos de nossa vida pessoal. Continuo achando que filhos são prioridade, mas não são a única. Acertar a mão aqui, mais uma vez equilibrar, é imperativo. Ser sim paizão e mãezona, mas se permitir espaço, ter objetivos além da paternidade, ter objetivos em outras áreas. Para nós mulheres é dilema conhecido; não queremos abrir mão da “multimulher”, nem perder a alegria das múltiplas realizações, de conciliar nosso universo interior com família e trabalho. Para os homens talvez seja tudo muito novo, o que à sua maneira também redefine a educação das crianças. E tem nessa idealização o desejo de sempre acertar, não poder perder a cabeça de vez em quando, estar sempre se cobrando. É preciso compreender que tudo faz parte do aprendizado, é possível, mais que isso, humano, errar. A contrapartida é saber reconhecer e voltar atrás.

As cartas estão postas na mesa. Nos compete usá-las da melhor maneira possível. De maneira diferente das relações políticas numa democracia, em que a alternância de poder é bem vinda, na relação com os filhos o poder precisa estar firme em algum lugar, na mão do adulto, servindo como esteio para margear até onde eles podem ir. Eu pessoalmente sou muito do diálogo, acho que se deve dar explicações, mas tudo isso até a página dois. Se a coisa se alonga e meninada resiste, recebe um “é assim e pronto; quem manda sou eu”. 

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

A ARTE DE DIZER NÃO





Nunca queria lhe dizer um NÃO. Até sabia, em teoria, que o NÃO é uma forma de educar e dar limites, mas na hora H, tal qual Takotsubo, meu coração se contorcia...Aff! Que estresse. Ficava imaginando o quanto te amo e não te quero ver sofrer, no quanto você é maravilhosa pra mim e merece tudo de melhor, no quanto a vida ainda vai dizer NÃO então para quê impingir sofrimento desnecessário. Afinal por você faço qualquer coisa. No fundo agradar você parecia a coisa sempre certa.

Apesar dessa sensação tão forte dentro do meu peito, seguia me agarrando ao bom senso de que você realmente precisa de limites para saber até onde pode ir, para saber onde termina seu espaço e começa o do outro, para crescer um ser humano íntegro e com valores. E repetidamente lá estava eu dizendo NÃO pensando SIM. E  mais, com certeza de que tudo era para o seu benefício. E sempre escolhia um NÃO carinhoso, sustentado por justificativas à altura de sua inteligência de criança, firme e acolhedor. Você nunca soube, mas era questão de tempo; se você resistisse um pouco mais estava frequentemente a ponto de ceder. Felizmente segui resistindo. É óbvio que devo ter derrapado algumas vezes, mas fazendo uma retrospectiva acho que foram pequenos e aceitáveis lapsos que não comprometem nosso produto final que é você um ser humano de quem possa se orgulhar e valha a pena.


É verdade que essa resistência de lhe dizer um NÃO ainda me ronda. Verdade seja dita; prefiro se puder ser um SIM.  Mas no dia em que fiquei apavorada com sua reação (mantendo a pose, é claro), trilhei mais uma vez a cartilha de explicar as razões com carinho, acolher suas possíveis recusas e lhe mostrar que estava com você acima de tudo. Esperei uma tempestade e você apenas disse “está bem, mamãe”. Foi o bastante para reconhecer nosso pacto selado muito tempo antes. E acabou sendo você a me ensinar a deixar de ter medo.  Entendi, finalmente, que no fundo você também sabia que o NÃO era necessário e até queria tê-lo para formar sua próprias referências. Concluí que dizer NÃO é uma arte.