segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

ASSIM CAMINHAM OS CONTOS DE FADAS



Não é incomum ouvir mulheres com discurso mais feminista citarem o desserviço prestado às meninas pelos contos de fadas. Costumam apontar que tais histórias remetem a um tempo em que a sociedade era absolutamente arcaica, com um poder exacerbado designado ao homem. Argumentam que criam ilusões inatingíveis, e o que é pior, alimentam a crença, ainda que subliminarmente, de que as mulheres são inferiores aos homens e nas mãos deles está sua salvação.

Mais comum ainda é ver pais que repercutem estas histórias incessantemente para suas crianças, valorizando sobretudo o lado lúdico que deve sim ser estimulado na infância. Entendem que o que predomina nestas histórias é de fato o amor e o encantamento. E persistem docemente fazendo parte dos sonhos de toda menina.

Radicalismos à parte, engana-se quem pensa que as historinhas são meramente inocentes. O psicanalista Bruno Bettelheim, autor do livro A Psicanálise dos Contos de Fadas, atesta que os contos de fadas guardam um significado importante, capaz de influenciar com êxito a vida interior da criança. Conclui que é uma mensagem múltipla a deixada por esse tipo de literatura; lutar contra as dificuldades na vida é inevitável, faz parte de toda existência, mas quando a pessoa não se intimida e enfrenta com firmeza os desafios, acaba alcançando a vitória. Conceitos de bem e mal, de morte e de justiça também são amplamente explorados nos contos de fadas.

Voltando à questão feminista, a retaliação reside no fato de as histórias mostrarem mulheres vulneráveis, que precisam de príncipes para se realizarem, e que por eles são salvas, além das reservas ao felizes para sempre. Mesmo deixando no inconsciente a idéia de que a felicidade está lá no fim do arco-íris, os contos de fada não são, com perdão do trocadilho, o bicho papão da formação feminina. Além disso eles vêm acompanhando as mudanças da sociedade, mostrando uma mulher cada vez mais atuante, segura e tomando seus destinos em suas mãos. A primeira princesa Disney, Branca de Neve, ingênua ao cair na armadilha da madrasta e só desperta após o beijo do príncipe. Aurora adormece por longos anos até ser depertada também pelo seu príncipe encantado. No conto da Cinderela a mocinha já aparece com mais atitude, mesmo no borralho não deixa de sonhar, é corajosa ao partir incógnita para o baile, ainda que necessite da interferência da fada madrinha e mais uma vez um príncipe defina seu destino. Provando que o tempo traz mudanças, a Bela é quem salva a Fera e lhe mostra a alegria de viver e o poder do amor; assim como a Ariel, que embora troque sua voz para se tornar humana e assim poder estar com o homem que ama, foi agente de sua história todo o tempo, longe da postura passiva de antes. A mais recente representante na evolução feminina nos contos de fadas é Tiana; mulher, negra, batalhadora, que passa a maior parte da história na forma de sapo, regenera o príncipe e mesmo ao se tornar princesa não abre mão de seu trabalho.

Assim caminham os contos de fadas; encantando milhares de crianças ao redor do mundo e de alguma forma retratando os caminhos da mulher na sociedade.


domingo, 9 de dezembro de 2012

ONDE ANDA VOCÊ


Existem coisas das quais apenas crianças são capazes. Sentir a vida com pureza e encarar tudo de uma forma singela é experiência genuinamente infantil e que em alguma proporção se leva para a vida adulta; uns mais e outros menos. Mergulhar nesse passado pode ser desafiador e muitas vezes frustrante, já que para a maioria dos adultos o distanciamento daquele ser que foi na infância é quase abissal.

Vários aspectos de sua vida foram planejados quando brincar era sua única obrigação. É comum, por exemplo, se falar no que vai seguir profissionalmente quando crescer. Obviamente muita coisa é surreal, absolutamente fora da realidade e por tanto não factível. Outras coisas até são possíveis, mas olhando um pouco mais friamente percebe-se estar aquém do que seria uma ambição mínima para o futuro. O restante, em menor número, fica para aqueles que desde pequeninho já apontava para o que seguiria e vai em frente, graças às circunstâncias, estilo de vida da família e apoio dos pais. Questões menos palpáveis que a profissão, porém não menos importantes também vão se perdendo no caminho. O amor incondicional pelos pais provavelmente sobreviveu, contudo quando foi que você deixou de dar o beijo mais melado e o abraço mais quente que podia existir? Deve ter sido na mesma época em que descobriu que sua mãe não era a única mulher no mundo e seu pai não era um super-herói de verdade. Aquele jeito que só na infância você resolvia os conflitos com os amiguinhos, com generosidade, sem interesses escusos, onde ficou? A crença indelével de que podia fazer diferença no mundo sumiu sem que ao menos se desse conta. Envolver-se com pessoas e situações de corpo e alma, sem reservas deixou de ser uma atitude usual? Sorrir francamente e nem saber o que são meias palavras há muito tempo passou a caso raro em sua correria diária.

Com tanta gente grande se identificando com perdas como essas é impossível não se imaginar que esse seja o caminho natural, próprio do amadurecimento.  Provavelmente muita mudança na forma de encarar a vida sejam de fato inevitáveis e mesmo necessárias; escolher a profissão com mais frieza, pesando gosto pessoal e retorno financeiro é uma estratégia apropriada para prover seu sustento, encarar que papai e mamãe não sabem tudo é um rito de passagem, ter uma certa malícia na hora de resolver conflitos é uma questão até de sobrevivência, envolver-se abertamente com tudo e com todos muitas vezes é uma maneira de se tornar vulnerável num mundo que lhe exige força e postura, e ponderar o que diz, dosar as palavras é importante em muitas situações e socialmente  requerido.

A maturidade vem, de um jeito ou de outro, porém crescer não pode significar perder sua essência, não significa que vá se perder o genuíno comprometimento com aquilo em que você acredita. Aninhar-se no colo dos pais sempre será um refúgio que traduz o poder e a importância desta relação que foi a primeira experimentada na vida. E de alguma maneira sua mãe é única e seu pai sempre tem uma porção herói. Mais que tudo, não perder de vista que ainda se pode mudar o mundo, sempre, com cada atitude no seu dia-a-dia e principalmente na maneira que apresenta a vida às novas gerações. Talvez perceba que precisa se reconciliar consigo mesmo, transformar o olhar para a criança que você foi num momento tranquilo, e isso sim é crescer.