Existem coisas das quais apenas crianças são
capazes. Sentir a vida com pureza e encarar tudo de uma forma singela é
experiência genuinamente infantil e que em alguma proporção se leva para a vida
adulta; uns mais e outros menos. Mergulhar nesse passado pode ser desafiador e
muitas vezes frustrante, já que para a maioria dos adultos o distanciamento
daquele ser que foi na infância é quase abissal.
Vários aspectos de sua vida foram planejados
quando brincar era sua única obrigação. É comum, por exemplo, se falar no que
vai seguir profissionalmente quando crescer. Obviamente muita coisa é surreal,
absolutamente fora da realidade e por tanto não factível. Outras coisas até são
possíveis, mas olhando um pouco mais friamente percebe-se estar aquém do que
seria uma ambição mínima para o futuro. O restante, em menor número, fica para
aqueles que desde pequeninho já apontava para o que seguiria e vai em frente,
graças às circunstâncias, estilo de vida da família e apoio dos pais. Questões
menos palpáveis que a profissão, porém não menos importantes também vão se
perdendo no caminho. O amor incondicional pelos pais provavelmente sobreviveu,
contudo quando foi que você deixou de dar o beijo mais melado e o abraço mais
quente que podia existir? Deve ter sido na mesma época em que descobriu que sua
mãe não era a única mulher no mundo e seu pai não era um super-herói de
verdade. Aquele jeito que só na infância você resolvia os conflitos com os
amiguinhos, com generosidade, sem interesses escusos, onde ficou? A crença
indelével de que podia fazer diferença no mundo sumiu sem que ao menos se desse
conta. Envolver-se com pessoas e situações de corpo e alma, sem reservas deixou
de ser uma atitude usual? Sorrir francamente e nem saber o que são meias
palavras há muito tempo passou a caso raro em sua correria diária.
Com tanta gente grande se identificando com
perdas como essas é impossível não se imaginar que esse seja o caminho natural,
próprio do amadurecimento. Provavelmente
muita mudança na forma de encarar a vida sejam de fato inevitáveis e mesmo
necessárias; escolher a profissão com mais frieza, pesando gosto pessoal e
retorno financeiro é uma estratégia apropriada para prover seu sustento, encarar
que papai e mamãe não sabem tudo é um rito de passagem, ter uma certa malícia
na hora de resolver conflitos é uma questão até de sobrevivência, envolver-se
abertamente com tudo e com todos muitas vezes é uma maneira de se tornar
vulnerável num mundo que lhe exige força e postura, e ponderar o que diz, dosar
as palavras é importante em muitas situações e socialmente requerido.
A maturidade vem, de um jeito ou de outro, porém crescer
não pode significar perder sua essência, não significa que vá se perder o
genuíno comprometimento com aquilo em que você acredita. Aninhar-se no colo dos
pais sempre será um refúgio que traduz o poder e a importância desta relação
que foi a primeira experimentada na vida. E de alguma maneira sua mãe é única e seu pai sempre tem uma porção herói. Mais que tudo, não perder de vista
que ainda se pode mudar o mundo, sempre, com cada atitude no seu dia-a-dia e
principalmente na maneira que apresenta a vida às novas gerações. Talvez
perceba que precisa se reconciliar consigo mesmo, transformar o olhar para a
criança que você foi num momento tranquilo, e isso sim é crescer.
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