quinta-feira, 18 de abril de 2013

UM INTERVALO

Filhos, marido, cachorro, gato e papagaio. Tudo ótimo, fundamentais na nossa vida, pelos quais nutrimos todo amor e dedicação. À parte isso somos mulheres, e apesar de multi, pessoas de carne e osso falíveis, e chega uma hora que o corpo e a mente reclamam. Para esses momentos é preciso abrir um intervalo na agenda e aproveitar um tempo só seu.

Está achando difícil? Bem, fácil não é, não vai conseguir a toda e qualquer hora, contudo é possível. Pode ser uma data marcada, ainda que uma vez ao ano, qualquer tempinho. O coração aperta de deixar a casa para trás mesmo que por poucos dias? Natural. Engole a hesitação e vai. Como recompensa, uma multimulher revigorada, mais contente, com a auto – estima renovada,  saudosa de lar doce lar, pronta para mais uma temporada.

Como nem tudo são flores, antes de conseguir dar esta escapada você tem que provar porque a alcunha de multimulher. Tem que fazer as compras, deixar a rotina dos filhos organizada, listas de tarefas na sua ausência, aguentar firme os pedidos "mamãe, não vá!", deixar engatilhada toda a dinâmica da casa, uns bilhetinhos "mamãe te ama!", avisar na escola que outra pessoa vai pegar as crianças, programar o balé, a natação e o inglês, não sem antes combinar com o marido e a babá (não necessariamente nesta ordem), e lembrar de fazer as malas!

Vencidas todas as etapas, quase uma gincana, você finalmente chega ao destino. Agora é aproveitar, divertir-se, dormir uma noite inteira de sono, colocar a conversa em dia e cuidar de si. Lembre-se de fazer isso logo, nos primeiros dias respire a liberdade. Com o tempo o ar vai ficando rarefeito, tudo à sua volta perde o sentido e bate aquela saudade.

No final valeu a pena. Esses raros momentos demoram a chegar, passam rápido, mas alimentam a alma e trazem à tona pessoas melhores, mais resolvidas. E cá entre nós, se não passasse rápido a gente não aguentaria, mesmo voltando para casa e quase que de imediato desejando o próximo intervalo.

domingo, 7 de abril de 2013

PEC (Porque Encarar Cuidadosamente) das domésticas

Uma proposta de emenda constitucional (PEC). Uma revolução nos lares. Uma nova ordem social.

A sociedade brasileira vem experimentando uma grande mudança nas relações entre patrões e empregados domésticos. Estas mudanças vêm se desenhando vagarosamente, culminando com a PEC, que regulamenta o trabalho doméstico e talvez seja o choque de realidade que faltava para acordar os mais incautos. Mas a verdade é que, a exemplo de muitos países, esse tipo de mão-de-obra torna-se cada vez mais escasso e caro.

A PEC, de autoria do Deputado Federal Carlos Bezerra (PMDB – MT), foi aprovada por unanimidade no Senado. Com a publicação da emenda algumas regras já entram em vigor (carga horária de 8 horas diárias e remuneração das horas extras). Outros direitos, como o pagamento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), seguro – desemprego e auxílio – creche, ainda serão regulamentados para passar a valer. O temor de se ver o aumento da informalidade, demissões e troca por trabalhadores avulsos existe, mas é preciso tempo para se incorporar as mudanças e ver-se como de fato a população se comporta. Para os que já cumpriam as leis já vigentes, as mudanças no fundo serão poucas, contudo a adequação a um relacionamento mais profissional do que familiar é um ponto extremamente delicado. A PEC veio extender os direitos dos trabalhadores em regime de CLT (Consolidação das Leis de Trabalho), o que configura em um direito ( em 1943 os trabalhadores domésticos foram excluídos  da CLT e só em 1972 receberam direito a carteira assinada, ainda que apenas 20% deles sejam registrados nos dias atuais),  porém nossos lares não são empresas. Uma questão ainda em aberto, que talvez melhore a situação é criação de incentivos fiscais para os empregadores, já que não são pessoas jurídicas e não têm fins lucrativos. Por outro lado é preciso fazer um exame de consciência e separar o que de fato é dificuldade financeira em arcar com novos encargos (via de regra acrescentou-se o FGTS, que de opcional passou a obrigatório) do que é resistência pelo conservadorismo da nossa sociedade. Segundo o sociólogo Joaze Bernardino, especialista em relações de trabalho doméstico, em nossa sociedade frequentemente nos deparamos com pessoas altamente progressistas em várias áreas do pensamento, porém quando se trata de sua empregada doméstica deixa renascer o “senhorzinho escravocrata”. Até aquilo que costumamos dizer em tom bem intencionado – “ela já é quase da família” - pode abrir um precedente para a exploração. Então é preciso estar atento.

Olhos mais atentos verão que os fatos não ocorreram necessariamente na sequencia expressa no início do texto. Uma reestruturação social no Brasil se insinua há tempos, com os últimos mandatos federais apontando fortemente nesta direção. A pirâmide social do país vem exibindo constante mobilidade, e isto se reflete no maior acesso a instrução e a bens de consumo. As donas de casa já vinham percebendo a dificuldade de ter alguém para realizar tarefas antes concorridas até. Já vem sendo necessário se reorganizar , suprimir e redefinir funções dentro de casa. A PEC veio em consequência a tudo isso, por demanda social mesmo, mobilização da categoria. A forma negativa como a mídia tem alardeado a notícia muitas vezes a desqualifica. Alguns se referem como um marco civilizatório, e não deixa de ser; nossa sociedade carece de muito entendimento sobre direitos e deveres, sobre autonomia e auto-suficiência, modificando em certa medida a forma de educarmos nossos filhos e gerirmos nossas famílias. Não é ruim ensinar a criança a fazer sua cama, cada um lavar seus prato quando come, ou dividir as tarefas domésticas. Mas não vamos nos transformar, num passe de mágica, na Europa. Há que se amadurecer muito ainda estas relações de trabalho.

Agora volte-se a situação para cotidiano comum, no microuniverso de cada casa. Impõe-se um aspecto delicado que é o da relação humana, afetiva, do lidar com aquela pessoa a quem você delega seu filho, sua intimidade, alguém que compartilha sua rotina. Difícil separar tudo isso da questão profissional, contudo é uma linha tênue que precisa existir. Complicado passar a usar um livro de ponto, chegar em casa do trabalho em horário britanicamente pontual, impedir o grude das crianças com sua babá, afastar a empregada do que nos seja íntimo, regular o horário de almoço. Um erro considerar todos os trabalhadores domésticos iguais, uma vez que a função determina a proximidade da relação com a família. E não há porque vilanizar os empregadores domésticos, as donas de casa retratadas como criaturas fúteis que se utilizam do serviço de terceiros para ficar de mordomia. Ledo engano – a maioria de nós as mantém por pura necessidade, principalmente quando se tem filhos pequenos. Seria diferente se tivéssemos à nossa disposição um serviço de educação infantil de qualidade, hoteiszinhos ou creches com boas condições espalhados por aí. Isto infelizmente é para poucos, talvez nos grandes centros. E acima de tudo é também uma decisão de cada família, tornando mais crucial ainda manter a sanidade e a serenidade dessa relação.  A hora de encarar cuidadosamente, sentar para conversar, ser honesto e  por as novas regras do jogo em prática.