segunda-feira, 30 de maio de 2011

ANIVERSÁRIO


Hoje completo 1 ano de blog, um instrumento que começou de forma despretensiosa na intenção de contar histórias, dividir impressões, enfim partilhar. A grata surpresa é que tem sido um canal de comunicação  maravilhoso, muita gente dando retorno e até mesmo se identificando com os diversos papéis que hora ou outra surgem nos textos. Foram milhares de acessos, aos quais agradeço, esperando poder continuar conversando com cada vez mais gente.

Obrigada!

domingo, 29 de maio de 2011

INFÂNCIA SEM RACISMO




Esta é uma campanha do Unicef lançada em novembro do ano passado com a finalidade de alertar a sociedade sobre os impactos do racismo na infância e adolescência e sobre a necessidade de uma mobilização social que assegure o respeito e a igualdade étnico-racial desde a infância. É nesta época da vida que tais impactos parecem ser mais catastróficos, tanto para quem é vítima quanto para quem pratica, ambos permanecendo marcados. A criança que é descriminada poderá, a depender de como a família lide com isso, ter o futuro completamente modificado, até por conta da baixa auto-estima. Além da questão psicológica existe a limitação de oportunidades numa sociedade racista. A criança que descrimina o faz por ter aprendido estes valores em seu meio e perpetua a situação até a vida adulta. Cabe a nós pais um importante papel na quebra deste ciclo, ensinando a nossos filhos o valor da diversidade e o quanto devemos respeitá-la, não apenas no discurso, mas principalmente no exemplo.

Segundo dados do IBGE e do Unicef, dos 57 milhões de crianças e adolescentes no Brasil, 31 milhões são crianças negras e cerca de 100 mil crianças indígenas; entre  as crianças pobres 65% são negras; a taxa de mortalidade infantil (até um ano de vida) entre crianças indígenas é de 41,9 óbitos para cada mil nascidos vivos (a taxa nacional de mortalidade infantil é de 19 óbitos para cada mil nascidos vivos); 62% das crianças fora da escola, na faixa de 7 a 14 anos, são negras; os adolescentes negros têm 2,6 vezes mais chances de serem assassinados em comparação aos adolescentes brancos, nas cidades com população acima de 100 mil habitantes. Estes números refletem o quanto as questões de raça ainda norteiam grande parte dos problemas do nosso país. As chances de mudança deste panorama estão em nossas mãos, de várias formas, desde um engajamento institucional neste tipo de campanha até simples atos do nosso cotidiano. Neste intuito o site da campanha (http://www.infanciasemracismo.org.br) divulga, dentre outras ações, dez maneiras de contribuir:

1. Eduque as crianças para o respeito à diferença. Ela está nos tipos de brinquedos, nas línguas faladas, nos vários costumes entre os amigos e pessoas de diferentes culturas, raças e etnias. As diferenças enriquecem nosso conhecimento.
2. Textos, histórias, olhares, piadas e expressões podem ser estigmatizantes com outras crianças, culturas e tradições. Indigne-se e esteja alerta se isso acontecer.
3. Não classifique o outro pela cor da pele; o essencial você ainda não viu. Lembre-se: racismo é crime.
4. Se seu filho ou filha foi discriminado, abrace-o, apoie-o. Mostre-lhe que a diferença entre as pessoas é legal e que cada um pode usufruir de seus direitos igualmente.Toda criança tem o direito de crescer sem ser discriminada.
5. Não deixe de denunciar. Em todos os casos de discriminação, você deve buscar defesa no conselho tutelar, nas ouvidorias dos serviços públicos, na OAB e nas delegacias de proteção à infância e adolescência. A discriminação é uma violação de direitos.

6. Proporcione e estimule a convivência de crianças de diferentes raças e etnias nas brincadeiras, nas salas de aula, em casa ou em qualquer outro lugar.
7. Valorize e incentive o comportamento respeitoso e sem preconceito em relação à diversidade étnico-racial.
8. Muitas empresas estão revendo sua política de seleção e de pessoal com base na multiculturalidade e na igualdade racial. Procure saber se o local onde você trabalha participa também dessa agenda. Se não, fale disso com seus colegas e supervisores.
9. Órgãos públicos de saúde e de assistência social estão trabalhando com rotinas de atendimento sem discriminação para famílias indígenas e negras. Você pode cobrar essa postura dos serviços de saúde e sociais da sua cidade. Valorize as iniciativas nesse sentido.
10. As escolas são grandes espaços de aprendizagem. Em muitas, as crianças e os adolescentes estão aprendendo sobre a história e a cultura dos povos indígenas e da população negra; e como enfrentar o racismo. Ajude a escola de seus filhos a também adotar essa postura.
Então, como prega a campanha; apóie, divulgue, denuncie, crie, aprenda, ensine, mobilize e proteja. Mãos à obra!

domingo, 22 de maio de 2011

CONTO Nº 2



POR SOBRE AS NUVENS

Mãe e filha estavam deitadas na grama olhando as nuvens no céu. Era uma brincadeira que a pequena adorava – adivinhar as formas no alto daquele fundo azul. “Aquela parece um leão, mamãe!” Não havia outro jeito senão concordar, tamanha a criatividade da menina; era tanta que a própria mãe passou a ver as formas se materializarem. A imaginação faz viajar, vai tão longe quanto as vistas alcançam, trazendo a lembrança de quando ela era uma criança e lhe disseram: “vovô foi pro céu”. Será que ele está me vendo daquele imenso azul? A sensação é tão forte que ela mesma repetira a frase para a filha: “vovô foi pro céu!”

Encarar a morte com o olhar lúdico faz criar fantasias interessantes. Tratando-se de uma criança isto pode ganhar contornos de inocente felicidade que até nos faz aceitar a perda com mais serenidade. Foi engraçado quando a garota perguntou se o avô estava indo encontrar a avó e concluiu docemente que eles deviam estar rindo à toa. Com esta visão é possível pensar que morrer foi bom para o avô, já cansado e saudoso do grande amor de sua vida. A história deles era linda, daquele tipo de amor avassalador que te toma de assalto. Foram um exemplo maravilhoso de como partilhar a vida a dois. Naturalmente sua morte foi triste para quem ficou, compreensível pela enorme saudade. A netinha já expressava este sentimento quando lamentava não mais poder acariciar aqueles tufos de cabelos brancos, ouví-lo contar histórias sentado na sua poltrona favorita ou reclamar quando seu time perdia um jogo. Por tudo isso, embora ainda fosse muito jovem para entender que este é o caminho natural da vida, imaginava que vovô e vovó tinham muita conversa para colocar em dia.

Ali deitada na grama a mãe apertou forte a mão da filha e desejou acreditar no encontro dos pais, por alguns instantes chegando a vê-los abraçados, com a expressão de quem cumprira sua missão. Aquele casal trouxe ao mundo três filhos, se deliciou com cada conquista deles, desde os primeiros passos até a entrada na faculdade, assistiu seus casamentos e foi quem primeiro carregou cada neto no colo. Profissionalmente ambos tinham se realizado e conseguiram passar valores importantes para toda família. Resignaram-se quando seus velhos pais se foram, presenciaram com tristeza a partida de bons amigos e dividiram tudo até serem separados pelo inevitável. Era um encontro verdadeiramente mágico.

A mulher parecia perdida num sonho. Será que a pequena tem razão? A morte não passa de mais uma viagem? Vitoriosas as pessoas que podem chegar a este ponto da jornada com aquela expressão que ela vira por sobre as nuvens – missão cumprida. Começou a pensar que melhor mesmo é viver o presente e dar o seu máximo em tudo; talvez esta seja a fórmula para deixar como legado a saudade gostosa no coração daqueles com quem conviveu. Gente assim só pode deixar boas lembranças, e chega uma hora que é o que resta. E ela despertou com uma vozinha  dizendo: “aquela parece um leão,  mamãe!”

domingo, 15 de maio de 2011

A ÁRVORE

Queria falar da vida. Pensei em você, Maria como exemplo. Tanto que falo sobre a multimulher, dou-lhe sempre um tom de exclusividade e modernidade. Que nada! Somos muitas, contingências da vida, e quanto a ser moderno; você, já bisavó, prova o contrário. 

Sempre a admirei pela força (costumo dizer que daí herdaram todas as mulheres da família). Mulher de um tempo em que marido era amo e senhor, rompeu estruturas há tanto vigentes – veio menina ingênua para a capital e aprendeu a ser mulher de verdade na marra, agarrou o touro a unha, como se diz, e  descobriu que apenas você era dona do seu destino, entrou para o mercado de trabalho (àquela altura, estou falando de quase 80 anos atrás, a grande maioria das mulheres eram exclusivamente do lar), dividindo-se na criação de tantos  filhos, marido e casa. Isto para mim é um legado, naturalmente mais importante que qualquer bem material. Vejo que fez revolução, é seu um dos soutiens queimados em praça pública e continua a ser exemplo. Do alto dos seus 95 anos de idade, soube como envelhecer, representando tudo aquilo que a gente almeja – ter lucidez e tranquilidade. É bem verdade que hoje o corpo já não acompanha os vôos rasantes da mente, contudo são as marcas indeléveis que o tempo reserva a quem viveu para ver.

E você viu! Presenciou mudanças em nossa sociedade, teve que respirar fundo e se adaptar a novos comportamentos (lembro tanto de você me contando de quando usou calças ou pintou as unhas de vermelho pela primeira vez). Viu irmãos e amigos partirem com uma tristeza cumulativa que a deve ter feito questionar o sentido de tudo, principalmente quando a vida subverteu a ordem e levou-lhe um filho. Houve também muita coisa boa; partilhou tantos nascimentos, netos e bisnetos, conheceu lugares e pessoas, pode se sentir vitoriosa, matriarca de uma família a quem enche de orgulho. A grande felicidade é poder olhar para trás sem arrependimentos, com aquela sensação de que fez sempre o seu melhor. Isto ninguém tira de você.


A vida segue e como um troféu você recebe o mais novo membro a chegar – Gustavo, o oitavo bisneto. É um sinal de como a gente se entrelaça nos nossos descendentes e de alguma forma pode se ver neles; sabe aquela força que citei ser uma herança feminina? Começo a achar que já independe de gênero, tamanha a garra deste pequenininho que nos surpreende desde sua fecundação. Agora ele põe mais uma vez essa característica tão sua em evidência e realimenta o profundo amor que o une a toda a família.

No final das contas ficou na minha cabeça, ao som de Almir Sater, a imagem de uma imensa árvore genealógica; Maria lá no alto, fazendo mais esse aniversário, e Gustavo na última inscrição, representando o milagre da vida.
 

domingo, 8 de maio de 2011

ADOTA-SE UMA MÃE

                                                   Grupo de Apoio a Adoção Mudando Destinos



Há muito queria falar sobre adoção. Por ocasião do dia das mães o assunto ganhou força, principalmente após ter conhecido histórias de famílias que mudaram suas vidas ao adotar novos membros. Todos são unânimes em testemunhar o quanto aquela criança veio para completar a família. Alguns casais passaram  por esta experiência mais de uma vez, seja pela força que se revelou neste amor, seja até por uma incontrolável necessidade de unir irmãos, sendo ainda mais verossímil a tese de que adoção é doação, numa via de  mão dupla em que é difícil saber quem adota e quem  é adotado.  

Dados dos Juizados da Infância e da Juventude estimam que cerca de 4400 crianças estão disponíveis para adoção no Brasil, e quase 27 mil casais dispostos a adotar. A estranheza é o fato de uma conta como esta não fechar. A triste razão para isto está na mentalidade das pessoas - ao se candidatarem, os pretensos adotantes informam sua preferência em relação ao futuro adotado – sexo, idade, cor e etc. Das milhares de pessoas à espera de um filho adotivo, 87% querem apenas uma criança (irmãos são colocados de lado), 37% só aceitam crianças brancas e 78% só aceitam crianças até três anos de idade (a adoção tardia e sem restrições é algo raro no Brasil).

Voltando ao pensamento de adoção como doação e como uma troca mútua, me pergunto como tantas exigências prévias determinam esta relação? Estas exigências muitas vezes estão irremediavelmente contaminadas por preconceitos  de diversos tipos, pela antiga postura de se esconder a adoção (para tanto o adotado precisa ter semelhanças com a família que adota) e pelo temor de que se adotado além da primeira infância o indivíduo já trará traços indesejados na sua  personalidade. Não se pode condenar quem tem todos esses temores, contudo seria mais natural e até mesmo mais saudável uma relação que começasse com aquele mágico momento em uma troca de olhar diz tudo que se precisa saber. Tem haver com empatia e com identificação bilateral que fará com que a aproximação seja uma conseqüência. É a chamada experiência do amor incondicional. Isto acontece quando se adota por amor ao próximo e não por necessidades pessoais ou para preencher lacunas da vida pregressa.

É importante então notar que, assim como para a paternidade biológica, nem todos estão talhados para a adoção. Para alguns é plano desde a infância ou uma forma possível de contemplar seu sonho de família, mas talvez para a maioria não faça parte dos planos de vida. Ainda assim, podemos deixar corações e mentes abertos para a possibilidade de um encontro inesperado com alguém que desperte este amor de filho, também aberto a adotar uma mãe (e pai, irmãos, enfim família).