sábado, 29 de setembro de 2012

ANATOMIA DA PELE



Há oito anos conversava com uma pessoa muito querida, inteligente e bem informada sobre Ações Afirmativas. Fiquei espantada pois meu interlocutor nunca sequer ouvira sobre o assunto. Aquilo me deu a medida do quanto se precisava discutir sobre racismo em nosso país – alguém instruído, formador de opinião estava à margem daquela discussão. De lá para cá muita coisa mudou, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (criada em 2003) tomou corpo e hoje tem status de Ministério, atores negros protagonizando novelas não é mais novidade, História Afro-brasileira é realidade nas escolas e um indígena consegue espaço na TV falando seu próprio dialeto. Por outro lado não é difícil perceber que muito ainda há para fazer. Existe toda uma geração que de uma forma ou de outra traz encrustrado no subconsciente noções segregacionistas, e esta geração vem criando seus filhos com um discurso “politicamente correto”, porém chama o vizinho negro de macaco na primeira oportunidade, diz que fulano tem o cabelo ruim ou mesmo se diz moreno quando questionado sobre sua cor. Ainda hoje se dizima nações indígenas em total desrespeito à sua cultura. Estatísticas oficiais dão conta de que um bebê negro tem 25% mais chance de morrer no primeiro ano de vida comparada a um bebê branco, o que é ainda pior para uma criança indígena (50%). Se despir de tudo isso é mesmo difícil, ainda mais num pais que vende uma imagem mundo afora de ser multirracial e conviver bem. O mundo também vem trilhando esses novos caminhos, contudo há uma longa estrada pela frente. Concluo que o foco de atenção agora tem que ser nossas crianças – é preciso falar no assunto abertamente, colocar o dedo na ferida. Quanto mais se discute, quanto mais se divulga, mais se torna robusta a argumentação. E quando se trata de criação, seja qual for o assunto, permanece verdadeira a máxima de que um exemplo vale mais que palavras.

Com este pensamento, o UNICEF vem divulgando uma campanha intitulada “Por uma infância sem racismo”, que visa alertar a sociedade sobre os impactos do racismo na infância e na adolescência e da necessidade de uma mobilização social para assegurar o respeito desde a infância. Existem várias peças da campanha vinculadas na mídia, algumas já receberam prêmios pela iniciativa. Um conteúdo que é bem esclarecedor está sob o tópico “Dez maneiras de contribuir para uma infância sem racismo”, que reproduzo a seguir (fonte:  http://www.unicef.org/brazil/pt/multimedia_19297.htm):

1.Eduque as crianças para o respeito à diferença. Ela está nos tipos de brinquedos, nas línguas faladas, nos vários costumes entre os amigos e pessoas de diferentes culturas, raças e etnias. As diferenças enriquecem nosso conhecimento.

2.Textos, histórias, olhares, piadas e expressões podem ser estigmatizantes com outras crianças, culturas e tradições. Indigne-se e esteja alerta se isso acontecer – contextualize e sensibilize!

3.Não classifique o outro pela cor da pele; o essencial você ainda não viu. Lembre-se: racismo é crime.

4.Se seu filho ou filha foi discriminado, abrace-o, apoie-o. Mostre-lhe que a diferença entre as pessoas é legal e que cada um pode usufruir de seus direitos igualmente. Toda criança tem o direito de crescer sem ser discriminada.

5.Não deixe de denunciar. Em todos os casos de discriminação, você deve buscar defesa no conselho tutelar, nas ouvidorias dos serviços públicos, na OAB e nas delegacias de proteção à infância e adolescência. A discriminação é uma violação de direitos.

6.Proporcione e estimule a convivência de crianças de diferentes raças e etnias nas brincadeiras, nas salas de aula, em casa ou em qualquer outro lugar.

7.Valorize e incentive o comportamento respeitoso e sem preconceito em relação à diversidade étnico-racial.

8.Muitas empresas estão revendo sua política de seleção e de pessoal com base na multiculturalidade e na igualdade racial. Procure saber se o local onde você trabalha participa também dessa agenda. Se não, fale disso com seus colegas e supervisores.

9.Órgãos públicos de saúde e de assistência social estão trabalhando com rotinas de atendimento sem discriminação para famílias indígenas e negras. Você pode cobrar essa postura dos serviços de saúde e sociais da sua cidade. Valorize as iniciativas nesse sentido.

10.As escolas são grandes espaços de aprendizagem. Em muitas, as crianças e os adolescentes estão aprendendo sobre a história e a cultura dos povos indígenas e da população negra; e como enfrentar o racismo. Ajude a escola de seus filhos a também adotar essa postura.

Mesmo sendo um problema invisível para muitos, como disse o ator Lázaro Ramos em sua mensagem para a campanha, é muito real para quem sofre literalmente na pele. Se o ponto de vista filosófico não for suficiente, encare a questão do ponto de vista biológico - a pele das pessoas é igual, uma mesma anatomia e até mesmo igual quantidade de melanócitos (diferença de cor se dá pela quantidade de melanina produzida por eles). No final a questão é um problema de todos, e pondo em prática pequenas ações será fomentada uma nova ordem em que as diferenças serão tratadas com respeito.








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