sábado, 6 de novembro de 2010

AO MESTRE COM CARINHO

To sir with Love, tema de um dos melhores filmes que já vi, com Sidney Pottier.


Lulu - To Sir With Love - 1967



Magno Burgos era um mestre. Já de saída brigava com o próprio nome, que dizia ser um adjetivo. O aguerrido militante político, a voz lúcida e questionadora nas rodas dos amigos de toda uma vida, merecia sim tal adjetivo como nome.

Nunca fui muito afeita a discussões sobre política. Sendo bastante franca, meu entendimento era pífio. A coisa foi mudando sutilmente nos últimos anos pela convivência com Magno. Ele era capaz de envolver com eloqüência e firmeza, nunca com agressividade, o mais distante dos interlocutores.

Dignidade e coerência foram marcas com que esse santamarense (na verdade nascido em Ituaçu, mas criado em Santo Amaro desde sempre) viveu seus oitenta anos.  Vereador pelo PTB em Londrina, preso político (tive a oportunidade de ouvir histórias da Galeria F da Penitenciária Lemos Brito), perseguido pela ditadura militar, ativista na luta pela redemocratização pós golpe de 64, Magno Burgos jamais deixou calar suas ideologias. Acreditava nos ideais trabalhistas, os quais nortearam toda a sua existência, ainda que fora do circuito político oficial, mantendo-se sempre atualizado, enxergava além do exposto na grande mídia. Dono de uma memória formidável, era de uma conversa extremamente agradável, sobre este e outros assuntos.

Nestes dias de eleições ele estaria extasiado. Todo seu movimento pessoal sendo brindado pela eleição da primeira mulher presidente, com uma história de luta contra a ditadura, também presa política e alinhada com sua ideologia social. A verdade é que Magno foi embora na situação, exercício ora tão prazeroso quanto ser da oposição. Mais do que vencer a luta, ele apreciava o bom combate no campo das idéias.

Longe de ser um intelectual recluso, Magno se sentia à vontade mesmo frente aos questionamentos, analisando a conjuntura da época, traçando estratégias. Sabia também ouvir, sendo importante conselheiro em momentos cruciais da nossa história. Sabia ainda ser ranzinza, encrenqueiro, com suas múltiplas caretas, na família se dizia que Magno escondia as coisas de dia para poder procurar à noite; uma figura rara que costumava sentar com as pernas enoveladas uma na outra. Apesar de ser apegado à rotina, freqüentando por muito tempo os mesmos lugares, era também boêmio, conhecido companheiro de copo e conversa que deixa saudades.

Aliás, foi desse tipo de saudade que nasceu um clássico da música brasileira, o qual foi muito bem referido a Magno Burgos: “naquela mesa ele sentava sempre, e me dizia sempre o que é viver melhor, naquela mesa ele contava histórias que hoje na memória eu guardo e sei de cor”. Assim como nesta homenagem de filho para pai, a relação com a família também pautou sua caminhada. A união com os irmãos e primos (na sua época se conseguia criar todos como irmãos) era um dos exemplos mais bonitos que pude presenciar. Com os filhos estabeleceu um laço em que era indissociável amor e admiração mútuos. Magno, Magueu, Vovô Guegueu (“... agora mudei de projeto, eu quero é neto”), é uma daquelas pessoas que se agigantam de tal forma que transcendem a vida.  Apropriando-me de uma frase dita por Daniel; “foi um privilégio desfrutar da convivência com Magueu”.


P.S.: Sob pena de fazer as lembranças causar-lhes sofrimento, peço licença a Daniel, Leonardo e Cristiano. A intenção é colaborar, um pouquinho que seja, para que nossos filhos conheçam e tenham orgulho do seu DNA.


Naquela mesa, composição de Sérgio Bittencourt em homenagem a seu pai, Jacob do Bandolim, por Elizete Cardoso .

2 comentários:

  1. Cunhada, comadre, amiga!
    Lindas palavras.
    Realmente so quem conviveu com "Seu" Magueu e quem sabe o vazio que ele deixou em nossas vidas. Saudade dos contos, historias, caretas, discussões polemicas, das conversas na sala do apto na Barra, no cafezinho do shopping e reunioes da familia no Baby Beef.
    As lembranças boas nao trazem sofrimento, nos faz sentir ainda mais orgulho e admiração por essa figura tao querida: nosso sogro.
    Bj grande
    Lary

    ResponderExcluir
  2. Boa postagem Ursula!
    Tio Magueu deixou em seu legado uma imensa admiração. Teve a sagacidade de nos mostrar por exemplos seus como ser pai, irmão, tio, amigo, bom de copo, etc de uma maneira peculiarmente própria. Espero, de coração, que possamos perpetuar seu "modus operandi" de viver. As boas conversas e as histórias é que fazem muita falta.
    Beijo
    Jupi

    ResponderExcluir