domingo, 25 de setembro de 2011

I have a dream




Estou na aula das crianças. Mergulho nos meus pensamentos e de repente parece que tudo parou à minha volta. Consigo enxergar as pessoas e realizo, talvez ainda espantada, quem está lá – um grupo de crianças acompanhadas de seus pais e suas babás, estas últimas todas negras. Inclusive a das minhas filhas. Por que o espanto? Será que andei vivendo numa bolha onde a discriminação não chegava? Ou comprei a história de que somos uma terra sem racismo de tanto passar por cima daquele olhar vacilante que perguntava “quem é a médica?” Minha cabeça rodou tanto que senti uma vertigem; as diferenças sociais brasileiras ali estampadas, apenas mais uma comprovação de que para a igualdade racial ainda temos muito o que caminhar.

No Brasil há um racismo historicamente construído que é responsável por uma profunda desigualdade sócio-racial, à parte as condições de pobreza geral. É de se reconhecer que a forma como fomos colonizados e como se forjou nossa sociedade resultou na exclusão de negros e indígenas, levando a um frágil exercício da cidadania. Nitidamente este cenário vem mudando em virtude da ampliação dos debates sobre as desigualdades e da globalização de um modo amplo, que vem proporcionando mais acesso das minorias e por consequência maior grau de exigência. Do ponto de vista institucional a participação do Brasil na III Conferência Mundial de combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata (promovida pela ONU) desencadeou uma série de ações, dentre elas a criação da Secretária Nacional de Promoção da Igualdade Racial que tem status de ministério. Ainda assim, mesmo com uma melhora generalizada nos indicadores de saúde e educação, a distância entre brancos, negros e índios é muito grande.

Alguns pregam que dicotomizar a sociedade assim seria uma forma de discriminação, dividindo a população pela raça, uma questão já superada. Infelizmente ainda não superamos, tanto que nem o maior nível de escolaridade atingido por negros e pardos, segundo últimas pesquisas do IBGE, foi capaz de reduzir as diferenças salariais em relação aos tidos como brancos. O cruzamento dos indicadores de classe e raça torna evidente a concentração de pobreza no grupo de mulheres negras.  Reafirma-se, portanto, a necessidade de se intensificar políticas públicas que recuperem e assegurem a dignidade de grande parte da população brasileira. As iniciativas privadas também têm seu papel no estabelecimento do que se pode chamar reparação de um débito histórico. A implementação destas políticas engloba diversos aspectos como o apoio às comunidades remanescentes quilombolas, desenvolvimento e inclusão social, produção do conhecimento e ações afirmativas.

É importante pontuar o que são as ações afirmativas cunhadas localmente pelo Estado, que são medidas especiais e temporárias com o objetivo de eliminar desigualdades historicamente acumuladas e compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização, decorrentes de motivos étnicos, raciais, religiosos ou de gênero. A expressão teve origem nos Estados Unidos na década de 1960, momento em que os norte-americanos viviam um movimento pelos direitos civis cuja bandeira central era a extensão da igualdade de oportunidades a todos, quando começam a ser eliminadas leis segregacionistas até aquele momento vigentes. O movimento negro surgiu como uma das principais forças atuantes, com apoio de liberais e progressistas brancos, unidos por uma ampla defesa de direitos. As Ações Afirmativas sintetizam a necessidade de o Estado não apenas garantir leis, mas também assumir uma postura ativa para a melhoria das condições do grupo em questão (sim, pois hoje há Políticas Afirmativas ao redor do mundo, e o grupo alvo varia  de acordo com a sociedade local). As Ações Afirmativas além de serem ações de suporte e incentivo (como criação de cursos para afro-descendentes ou pessoas oriundas do ensino público), parecem inserir a chamada discriminação positiva; esta normatiza o tratamento desigual dos formalmente iguais (como a reserva de vagas em cargos públicos para deficientes), considerado como uma implementação da igualdade material. A política de cotas para afro-descendentes nas universidades públicas é apenas um dos fatores desta equação, aparentemente o mais polêmico.

Polêmicas à parte, claramente há uma necessidade de crescermos na questão racial no Brasil. Por vezes soa deslocado erguer estas bandeiras num país tão miscigenado quanto o nosso, mas focando um pouco o olhar é possível ver exemplos de exclusão a todo momento. Continuar na sombra da discriminação velada é a maneira mais lenta de se atingir o objetivo maior que é eliminar estas desigualdades. Passo importante é falar abertamente com nossos pares e encontrar juntos uma forma de conviver mais igualitária, em todos os sentidos. Então me desvencilho do meu transe, quase uma catarse, e me coloco como mais uma voz nesta luta. 

2 comentários:

  1. Minha querida!!!
    Vc acredita q só descobri seu Blog agora????
    Mas já dei uma geral e achei excelente!! Parabéns! E já virei seguidora.

    Eu concordo muito com seu texto. Existe muito preconceito. Aqui e no mundo. Incrível q Salvador, com a quantidade de negros, ainda se veja tanto preconceito. Não é fácil mudar coisas arraigadas por gerações. Temos um papel social de educação: da nossa família, filhos, empregados etc. Ontem jantava com uma amiga negra q contava com indignação quantas vezes foi contrangida mundo afora, como já tem medo de passar por um guichê de aeroporto de outro país...
    Sou do tipo que luta e crê em um mundo melhor, onde as pessoas identificam quem presta versus quem é bandido por suas atitudes, sua história e não pela cor da pele, nacionalidade (ou regionalidade), orientação sexual ou gênero.

    Um super beijo!!

    Ade

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  2. Ade, amiga! Não só o blog existe, como acompanha sempre seus pensamentos sortidos. Valeu!

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