sábado, 3 de setembro de 2011

NOVÍSSIMA POESIA BAHIANA


Quem se lembra do “Recital da Novíssima Poesia Bahiana”? O espetáculo dos Los Catedrásticos de 1988, em que recitavam letras da recente música axé e faziam a plateia perceber sentido (ou a falta dele) - “eu vou enfiar a uva no céu de sua boca, e aí chupar toda...”; “vamos abrir a roda, enlarguecer, tá ficando apertadinho...” A sátira era o instrumento usado para mostrar o contraponto entre aquela geração da música bahiana e a geração que a precedeu, mais enraizada na MPB. Apesar da crítica, a peça conseguiu mostrar também a importância da música feita por aqui como movimento social. Aquele estilo foi responsável por exportar para todo o país um novo modo de fazer carnaval, principalmente com as festas fora de época. A cena musical da terrinha seguiu esvaziada do conteúdo de outrora e desembocou nos atuais grupos de pagode, que apesar de tudo continuam retratando o seu povo.

Chega carnaval, todo mundo quer mais é dançar, pouco importa a letra que está sendo cantada, e sob pena de parecer elitista, colocar os grupos de pagode como porta-voz popular é absolutamente lícito. São o retrato do que se aprende nas escolas e nas ruas das periferias, do pouco que se lê e do quão distante da cultura a maior parte da população se encontra. O gosto pela leitura e pelas artes anda pouco cultivado e isso se reflete no que as crianças aprendem e repercutem. Saudosismo sim; quem diria ao ouví-los que daqui também saíram Caetano Veloso, Gilberto Gil, Raul Seixas, Bethânia, Gal Costa e tantos outros? Então não é uma questão de torcer o nariz, e sim de encarar o fato de a expressão cultural local estar caracterizada por essas novas manifestações.

Todo o movimento atual é impulsionado por uma indústria fonográfica que não está preocupada com sua função social e sim com o grande volume de dinheiro que gira neste mercado. A fórmula de sucesso é então repetida e perpetuada, e mesmo sendo um sucesso efêmero o astro descartável com validade de um verão interessa às gravadoras. E a banda que ano passado cantou a Liga da Justiça dá com os burros n’água apostando desta vez nos Thundercats. O poder público também embarca neste mesmo equívoco com a justificativa de que é o que o povo gosta – as prefeituras do interior são patrocinadores importantes da música bahiana de um modo geral e gastam somas impressionantes em micaretas, festas de aniversários e inaugurações. Não será simplório demais tachar o povo e oferecer-lhe apenas o que é de fácil digestibilidade?

Há que se questionar o papel dos artistas neste cenário. É lógico que cada um precisa do seu ganha-pão e talvez do alto do seu carrão importado o empobrecimento cultural de seus conterrâneos seja uma coisa menor, mas seria importante pensar no seu papel como pessoa pública e que acaba sendo imitado por milhares. O caminho muitas vezes mais fácil pode ser ir com a massa e deixar para trás o gosto musical que se tinha antes – quantos são os artistas que tocavam outros gêneros musicais e vêem na sua aproximação com os gêneros mais populares a chance de vencer. Trata-se de uma adequação mercadológica, mas sempre haverá os que resistem até por aquela velha máxima de que quem não tem talento não sobrevive.

Querendo ou não, esta é a Novíssima Poesia Bahiana e guarda seu valor como forma de entretenimento; se peca no lirismo, ao menos se enche de sonoridade e embala muita farra por aí. Se os Los Catedrásticos ainda estivessem juntos estariam agora ensaiando “tira onda de patricinha, mas compra roupa na Barroquinha...”

2 comentários:

  1. Úrsula!!!!
    Q alegria ler no seu blog textos tão bem escritos, assuntos diversos, relembrar vc falando sobre as questões da roda da vida, enfim, muito bom!!!! Estou morando na Irlanda desde maio deste ano, no início, comecei a escrever um blog sobre a minha experiencia aqui, descrever um pouco do meu dia-a-dia, mostrar esse mundo diferente para os meus amigos e familiares, mas acabei caindo na chatice da preguiça (que vergonha) e deixei de escrever... Vendo o seu blog tão bonito, com textos tão bem elaborados, até me animei para retornar ao meu! Um grande beijo! Depois faz uma visita por lá:
    http://ireland-emcadacantoumahistoria.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  2. Pri, se inspire mesmo. Nós, seus amigos queremos saber tudo que tem a contar.

    ResponderExcluir