segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

AQUELA LEMBRANÇA



Algumas feridas demoram a cicatrizar, enquanto está muito sensível não dá nem para tocar no assunto. Com o tempo já se consegue algum tipo de contato com a realidade...

Quero me lembrar de você bem. Quero me lembrar de você firme, do tempo em que  caminhava imprimindo sua marca no mundo. Não quero me pautar pela época em que, por forças alheias à sua vontade, tornou-se uma sombra de si mesmo.

Quero ao invés disso conservar na memória sua enorme gargalhada e as tiradas impagáveis – você está caminhando a passos largos! Super-herói do facão da praia de Itapoã, platéia do samba em cima da mesa, as corridas no seu fusquinha vermelho envenenado, farofada em Atalaia, vida livre nas enseadas de Berlinque, sungão com puã de carangueijo, o homem do rebocador, a roupa branca, sincretismo religioso, frequência certa das festas de largo, folião de todos os carnavais, da Mudança do Garcia, enfim dono da boemia regada a uma boa cachaça ou uma Brahma estupidamente gelada.

Quero ainda conservar na memória o homem vitorioso, dedicado à família, com filhos pequenos ou já criados, do carinho com os netos e como não falar da mulher excepcional que conseguiu manter ao seu lado por mais de quarenta anos; isso sim é para poucos.

Quero também lembrar dos erros que cometeu, pois estes não deixam de ser fonte de aprendizado. Viveu como qualquer outro ser humano, que erra e acerta e assim segue na vida.

Mas guardo sim lembrança destes últimos tempos, nos quais apesar de já não ser aquele de outrora, manteve uma força extrema, marca de toda a vida, a grandeza de acalentar quando precisava ser acalentado, e mostrou que um guerreiro cai de pé, lutando até o último instante. No final fico de novo pequenininha, criança no colo do papai, e só me resta preservar aquela visão mais remota; você um gigante pai-herói e eu simplesmente Mama.

5 comentários:

  1. Simplesmente... emocionante!! bjos, Amanda

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    1. Valeu Amandinha. Demorei uns dias para finalizar esta carta que iniciei, meio culpada por estar pensando na morte, na tarde em que meu pai viria a falecer.

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  2. Tô aqui toda emocionada com suas palavras... Não o conheci mas pelo pouco que conheço do seu irmão e agora de você dá para sentir quão especial é essa pessoa de quem você fala tão bem.

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    1. Sandra, eu mesma não consigo reler este post sem me emocionar. Esta emoção deve tocar em você como filha, independente de ter conhecido meu pai. Obrigada sempre!

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