domingo, 22 de maio de 2011

CONTO Nº 2



POR SOBRE AS NUVENS

Mãe e filha estavam deitadas na grama olhando as nuvens no céu. Era uma brincadeira que a pequena adorava – adivinhar as formas no alto daquele fundo azul. “Aquela parece um leão, mamãe!” Não havia outro jeito senão concordar, tamanha a criatividade da menina; era tanta que a própria mãe passou a ver as formas se materializarem. A imaginação faz viajar, vai tão longe quanto as vistas alcançam, trazendo a lembrança de quando ela era uma criança e lhe disseram: “vovô foi pro céu”. Será que ele está me vendo daquele imenso azul? A sensação é tão forte que ela mesma repetira a frase para a filha: “vovô foi pro céu!”

Encarar a morte com o olhar lúdico faz criar fantasias interessantes. Tratando-se de uma criança isto pode ganhar contornos de inocente felicidade que até nos faz aceitar a perda com mais serenidade. Foi engraçado quando a garota perguntou se o avô estava indo encontrar a avó e concluiu docemente que eles deviam estar rindo à toa. Com esta visão é possível pensar que morrer foi bom para o avô, já cansado e saudoso do grande amor de sua vida. A história deles era linda, daquele tipo de amor avassalador que te toma de assalto. Foram um exemplo maravilhoso de como partilhar a vida a dois. Naturalmente sua morte foi triste para quem ficou, compreensível pela enorme saudade. A netinha já expressava este sentimento quando lamentava não mais poder acariciar aqueles tufos de cabelos brancos, ouví-lo contar histórias sentado na sua poltrona favorita ou reclamar quando seu time perdia um jogo. Por tudo isso, embora ainda fosse muito jovem para entender que este é o caminho natural da vida, imaginava que vovô e vovó tinham muita conversa para colocar em dia.

Ali deitada na grama a mãe apertou forte a mão da filha e desejou acreditar no encontro dos pais, por alguns instantes chegando a vê-los abraçados, com a expressão de quem cumprira sua missão. Aquele casal trouxe ao mundo três filhos, se deliciou com cada conquista deles, desde os primeiros passos até a entrada na faculdade, assistiu seus casamentos e foi quem primeiro carregou cada neto no colo. Profissionalmente ambos tinham se realizado e conseguiram passar valores importantes para toda família. Resignaram-se quando seus velhos pais se foram, presenciaram com tristeza a partida de bons amigos e dividiram tudo até serem separados pelo inevitável. Era um encontro verdadeiramente mágico.

A mulher parecia perdida num sonho. Será que a pequena tem razão? A morte não passa de mais uma viagem? Vitoriosas as pessoas que podem chegar a este ponto da jornada com aquela expressão que ela vira por sobre as nuvens – missão cumprida. Começou a pensar que melhor mesmo é viver o presente e dar o seu máximo em tudo; talvez esta seja a fórmula para deixar como legado a saudade gostosa no coração daqueles com quem conviveu. Gente assim só pode deixar boas lembranças, e chega uma hora que é o que resta. E ela despertou com uma vozinha  dizendo: “aquela parece um leão,  mamãe!”

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