domingo, 15 de maio de 2011

A ÁRVORE

Queria falar da vida. Pensei em você, Maria como exemplo. Tanto que falo sobre a multimulher, dou-lhe sempre um tom de exclusividade e modernidade. Que nada! Somos muitas, contingências da vida, e quanto a ser moderno; você, já bisavó, prova o contrário. 

Sempre a admirei pela força (costumo dizer que daí herdaram todas as mulheres da família). Mulher de um tempo em que marido era amo e senhor, rompeu estruturas há tanto vigentes – veio menina ingênua para a capital e aprendeu a ser mulher de verdade na marra, agarrou o touro a unha, como se diz, e  descobriu que apenas você era dona do seu destino, entrou para o mercado de trabalho (àquela altura, estou falando de quase 80 anos atrás, a grande maioria das mulheres eram exclusivamente do lar), dividindo-se na criação de tantos  filhos, marido e casa. Isto para mim é um legado, naturalmente mais importante que qualquer bem material. Vejo que fez revolução, é seu um dos soutiens queimados em praça pública e continua a ser exemplo. Do alto dos seus 95 anos de idade, soube como envelhecer, representando tudo aquilo que a gente almeja – ter lucidez e tranquilidade. É bem verdade que hoje o corpo já não acompanha os vôos rasantes da mente, contudo são as marcas indeléveis que o tempo reserva a quem viveu para ver.

E você viu! Presenciou mudanças em nossa sociedade, teve que respirar fundo e se adaptar a novos comportamentos (lembro tanto de você me contando de quando usou calças ou pintou as unhas de vermelho pela primeira vez). Viu irmãos e amigos partirem com uma tristeza cumulativa que a deve ter feito questionar o sentido de tudo, principalmente quando a vida subverteu a ordem e levou-lhe um filho. Houve também muita coisa boa; partilhou tantos nascimentos, netos e bisnetos, conheceu lugares e pessoas, pode se sentir vitoriosa, matriarca de uma família a quem enche de orgulho. A grande felicidade é poder olhar para trás sem arrependimentos, com aquela sensação de que fez sempre o seu melhor. Isto ninguém tira de você.


A vida segue e como um troféu você recebe o mais novo membro a chegar – Gustavo, o oitavo bisneto. É um sinal de como a gente se entrelaça nos nossos descendentes e de alguma forma pode se ver neles; sabe aquela força que citei ser uma herança feminina? Começo a achar que já independe de gênero, tamanha a garra deste pequenininho que nos surpreende desde sua fecundação. Agora ele põe mais uma vez essa característica tão sua em evidência e realimenta o profundo amor que o une a toda a família.

No final das contas ficou na minha cabeça, ao som de Almir Sater, a imagem de uma imensa árvore genealógica; Maria lá no alto, fazendo mais esse aniversário, e Gustavo na última inscrição, representando o milagre da vida.
 

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