sábado, 25 de dezembro de 2010

UM CONTO PARA O NATAL!


Nem sempre valorizamos o que realmente importa na vida. Às vezes é preciso sermos chacoalhados em alguma espécie de terremoto emocional para despertarmos do transe umbilical e viver mais plenamente, com generosidade e amor ao próximo. Naquela família não era diferente. A matriarca aguardava o primeiro filho. Mais uma vez os preparativos eram grandes, cheios de detalhes luxuosos que eram resultado de diversas viagens ao exterior para complementar o enxoval e reuniões intermináveis com a designer de interiores mais famosa da cidade. Aliás, as colunas sociais anunciavam esta chegada com grande furor, noticiando cada movimento como se narra uma partida de futebol. A intimidade da família totalmente invadida pelos novíssimos paparazzi, tudo permitido em nome do cultivo da fama.

Em meio a todo este tumulto em que se tornou a espera daquela criança estava o pai, personagem naturalmente relegado ao segundo plano, uma vez que não embarcava na viagem midiática em que sua família fora colocada. Era um homem sábio e se casara por amor àquela linda garota que aos poucos foi se deslumbrando com o dinheiro que para ele sempre foi farto. Tentava, sem êxito, refrear a sanha consumista em que sua esposa se enredava, notando a superficialidade que ia tomando conta do ambiente. Sentia-se impotente e frustrado, mas não se permitia desistir. Em algum lugar ainda existia a garota de outrora que se emocionava com comédias românticas, que gostava de dividir o saco de pipoca no cinema, que lhe sorria com inocência e que tinha gana para mudar o mundo.

A gravidez em si ia bem, acompanhada por um obstetra fantástico (embora tenha sido escolhido apenas por também acompanhar outras famosas), que ficava pouco confortável com a questões focadas pela paciente. Queria saber o sexo desde o primeiro dia para planejar o enxoval, sem nenhum questionamento sobre a saúde do bebê. Queria planejar a noite do parto com acesso a fotógrafo e cinegrafista muito antes de saber se tudo corria bem. A certa altura ele tentou chamar sua paciente à razão, mas obviamente foi em vão. Apenas lhe restava trazer aquela criança ao mundo com segurança e preservar a vida daquela mulher. Aproximava-se a trigésima sexta semana de gestação e não era de seu perfil abandonar o barco.

Era época de Natal. A afortunada família passaria as festas numa fazenda no interior. A ceia vinha sendo finamente planejada pela gestante mais badalada do momento, afinal não se podia negar que nesses anos de casamento ela não tivesse cultivado além da fama, bom gosto. A lista de convidados recheada de gente importante teria um roteiro de atividades para o final de semana. O ponto alto seria festival de fogos no alto de uma colina que servia como mirante de toda a propriedade, bem distante da casa principal, para onde em seguida retornariam para o maravilhoso jantar.

Em virtude da gravidez avançada à anfitriã permaneceu em casa durante os folguedos, aproveitando para dar os últimos retoques na mesa do jantar.  Exatamente na hora programada os carros levaram os convivas para a colina, alguns deles até se ofereceu para ficar fazendo companhia a ela, inclusive seu próprio marido, mas ela firmemente mostrou que não era necessário, até porque havia um séquito de funcionários naquela casa. Aproximava – se da meia noite quando se viu ao longe um show pirotécnico digno das areias de Copacabana. Era hora de retornar para a tão esperada ceia, mas ninguém mandou o script para São Pedro e caiu um temporal daqueles. A estrada de volta foi interrompida pela queda de uma encosta, a rede de energia começou a falhar e a comunicação tornou-se escassa. O tal script também não foi passado para o pequeno que iria ser chamado João e acabou Cristiano por conta do desenrolar da história que veio a seguir.

Nossa bela anfitriã repentinamente sentiu uma enxurrada por entre suas pernas, e não era água de chuva. Tentou chamar um dos empregados, mas a casa era tão grande que com aquele dilúvio lá fora ninguém podia lhe ouvir. Correu para o telefone, mas nem marido nem médico podiam ser contatados. Permaneceu um tempo sentada, mas logo se viu obrigada a levantar e achar um solução para as contrações que se seguiram. A chuva começava a diminuir quando ela chegou à beira da estrada. Não houve tempo para chegar além dos umbuzeiros, e foi embaixo de um deles que ela sentou-se e rezou para todos os santos que conhecia, suplicou a Jesus que naquele dia tão simbólico a protegesse e trouxesse seu filho ao mundo com saúde. Já era 25 de dezembro e como que um milagre aquela mulher sentada no chão realizou que todo aquele banquete, todos os convidados importantes e toda a vida fútil que vinha levando perderam o sentido. Pensou tanto em seu marido, nas muitas vezes em que tinha tentado lhe mostrar o verdadeiro sentido da família, que ele pareceu se materializar diante de seus olhos. Não se tratava de um sonho. O marido tinha conseguido sim encontrá-la na estrada, no entanto não havia tempo para hospitais, salas de cirurgia, fotografias nem para o séquito de bajuladores. Eram só eles três e a frondosa imagem daquele umbuzeiro.

E foi ali, diante das lágrimas do pai e da mãe, e de promessas maternas de que seria criado com valores diferentes dos quais tinham lhe servido até então, que nasceu o pequenino, que agora seria chamado Cristiano, e marcou a guinada daquela família. E todo Natal passou a ser mais amor do que inúmeras viagens de compras, mais união do que grandes jantares, e mais presença do que presentes.

P.S.: alguma coisa neste conto foi quase verdade.

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