Nestes dias de cinzas vejo
meu amigo homossexual. Na folia de Momo ele se realizou. Sentiu-se livre
bailando sua cabeleira importada, seus cílios postiços e sua mais nova boca
carmim. Estava feliz em mostrar sem pudores seu feminino, afinal nesta festa
tudo é meio que permitido. Não se pode dizer
que passou por aí tão docemente incólume; há sempre os olhares que o
fazem lembrar algum nível de inadequação, por mais que ele próprio já tenha em
si muitas destas questões resolvidas. Apesar
e acima de tudo segue em frente, aproveitando o anonimato. A festa se vai e ele se despe daquela exuberância projetada e
volta ao seu cotidiano de batalhar cada centímetro de ser quem é.
Nestes dias de cinzas vejo outro
amigo homossexual. Não se monta no carnaval, pelo contrário sempre se traja
como um homem comum. Passou as festas numa praia, isolado com seu companheiro.
No dia-a-dia não se revelam um casal. Preferem se preservar, não se mostrar é
uma espécie de escudo. Temem ser julgados e segregados. Não recrimino; é mesmo difícil encarar o tom
de reprovação, ser agredido por atitudes e repreensões subliminares. Também
segue no anonimato. E volta ao seu cotidiano, se protegendo do jeito que
entende ser o melhor, o que não deixa de ser uma batalha.
Falar em homofobia não é
retórica. Ao lado de outros tipos de segregações que tanto presenciamos, ela
aprisiona de uma forma muito cruel. Vai de um extremo a outro, desde a simples
falta de aceitação até assassinatos em nome de uma pseudomoral. Estes dias carnavalescos
são bem libertários para alguns;
abertamente ou por trás de máscaras e fantasias. Pena que ainda sofrem
demais com sua condição, seja qual for a forma que escolham se relacionar com a
sociedade. Para o mundo heterossexual são desde um modo de vida diverso até
anomalia genética; sua condição é explicada desde como fruto do ambiente até
como psicopatologia. Difícil encontrar seu lugar, mesmo nas coisas mais sutis,
mesmo nos que em princípio aceitam. Ou você nunca ouviu “que seja homossexual,
mas não me paquere”, “tudo bem desde que não seja um filho meu”, “beije, mas
não na minha frente”. Nessa seara não se trata de gostar ou não. Trata-se de
aceitar o outro. E cada vez mais este assunto vai ter que frequentar nosso
almoço de domingo, com uma explicação coerente para nossas crianças, que
certamente vai muito além do binômio normal/anormal.
Queria apenas falar de
coisas alegres. Fico a me perguntar se
isso é possível. O mundo é cheio de imperfeições e nós seguimos sobrevivendo
muitas vezes em meio a uma realidade absolutamente caótica. E a crua realidade
se apresenta a quem quiser ver. O primeiro amigo apanhou de uns garotos “muito
machos” na volta para casa, ofendidos que estavam pela simples presença do
outro. O segundo amigo voltou para casa sem ser agredido fisicamente, mas sufocou
seus gestos de carinho para o companheiro e evitou os vizinhos na garagem do
prédio. Ambos violentados, cada um à sua maneira.
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