sábado, 14 de abril de 2012

USANDO UM SENTIMENTO PARA PROVOCAR A REAÇÃO




Fiquei com raiva daqueles marginais – assaltaram e levaram seu carro em plena luz do dia. Quando lhe vi são e salvo passei a achá-los até “bonzinhos”, afinal haviam lhe entregue seus pertences pessoais, não lhe fizeram grandes agressões verbais ou físicas, e mais que tudo lhe deixaram a vida. Que mundo violento é esse que diante de histórias tremendamente brutais fica-se contente por ter sido “brandamente” acometido?
 
De forma recorrente o assunto violência urbana volta à baila, e é impossível não ser assim dada a gama de situações de violência a que todos estão continuamente expostos, direta ou indiretamente. Dos diversos tipos de violência, a interpessoal em particular causa grande perplexidade. O que leva um ser humano a atentar contra a integridade do outro? Desde um simples furto até o mais cruel latrocínio a essência do desrespeito pelo outro é preponderante. E claro, quanto mais extremo se apresenta esse tipo de violência, mais choca e deixa no ar a sensação de que a vida nada mais vale. Certamente para um sem número de marginalizados a valoração da vida humana destoa do que que se imagina plausível. É um problema relacionado exclusivamente à inversão de valores em que a sociedade, nos moldes concebidos até então, se encontra. Volta-se, também de forma recorrente (mas parece que é sempre pouco), ao berço onde estes valores são fomentados; o seio das famílias. A maneira como se está educando os filhos nos dias atuais colabora para a citada inversão de valores, assim como a desigualdade social e a má distribuição de renda. É preciso pensar seriamente naquela que se convencionou chamar de pirâmide social. Não adianta pensar a sociedade apenas ao nível de seus pares e iguais, pois há gente pobre, com fome, sem recursos além do que você pode ver (ou quer ver). E está chegando um ponto que não se pode mais escamotear estas disparidades; elas estão vindo para cima de todos, chegando cada vez mais próximo, seja no sinal de trânsito, seja na paisagem que se vê da janela dos fundos do seu apartamento.
 
Todo esse cenário é encarcerador, torna a todos reféns, mas sempre resta esperança, senão não seriam todos humanos. A questão é que ao lado deste sentimento de esperança tem que vir atitude naquilo que estiver a seu alcance. Mesmo um ato aparentemente pequeno pode ter o poder de se propagar em uma grande onda. Muito é devido aos poderes públicos obviamente, contudo nisso também há a responsabilidade daquele que elege qualquer um por interesses que não o trabalho pelo povo. Tão atual a poesia de Caetano Veloso – “enquanto os homens exercem seus podres poderes, morrer e matar de fome, de raiva e de sede são tantas vezes gestos naturais”. A mudança necessária começa aí em sua consciência para entender o todo que vai além de você. Consciência que é capaz de gerar aquela grande onda, na exata medida em que realiza que “brandamente acometido” só entre aspas mesmo, pois a agressão moral é imensurável e pode deixar cicatrizes difíceis de serem debeladas.

Fiquei com raiva daqueles marginais – agora usando o sentimento para provocar a reação. Tudo aquilo que se possa apontar como parte da gênese da violência urbana ainda sim não a justifica. Marginalizado e marginal são coisas diferentes. Pobreza não é sinônimo de má índole. Simplesmente dizer que o homem é produto do meio minimiza a possibilidade de livre arbítrio e de responsabilidade por suas escolhas.


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