quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

FRONTEIRA DO DIVINO




“Do pó viestes e ao pó retornarás” (Genesis 3:19) é um pensamento que dá margem a várias interpretações, mas chega a ser recorrente quando se passa por um momento de luto. Nestas horas clama-se por algo talvez reconfortante, conecta-se com Deus (ou com outro nome que dê a essa energia) e vive-se uma ruptura sofrida. É como a canção: “se eu quiser falar com Deus tenho que me aventurar, tenho que subir aos céus sem cordas para segurar; tenho que dizer adeus, dar as costas, caminhar decidido pela estrada que ao findar vai dar em nada do que eu pensava encontrar”.

As diversas religiões cristãs há milênios, e independente de suas orientações distintas, professam a finitude da vida como a conhecemos e algum tipo de continuidade. As religiões não-cristãs por sua vez também fazem suas conjecturas sobre a possibilidade de vida após a morte. Em agosto de 2011 a repórter Raphaela de C. Mello escreveu sobre como cada religião compreende este assunto, de acordo com o relato de representantes das mesmas. Alguns trechos, não obstante as muitas divergências existentes,  pronunciam bem elos comuns a todas, razão pela qual se prega a paz universal e tolerância entre os credos:

“De acordo com a doutrina espírita, o espírito - a essência do ser - continua vivo depois da morte, que só atinge o corpo. O que encontramos do outro lado reflete o que realizamos na Terra. É uma consequência justa, baseada no merecimento.” Geraldo Campetti, diretor da Federação Espírita Brasileira (FEB)

O budismo nega o eu eterno. Os seres morrem e renascem abandonando a ideia do que foram. Buda dizia que o corpo morto é uma carroça quebrada e não se deve arrastar uma carroça quebrada, ou seja, devemos nos desapegar dessa forma.” Monja Coen, fundadora da Comunidade Zen Budista, em São Paulo

“Para os indianos, a pessoa não é o corpo, mas a alma, que parte para outra dimensão. Quando a alma atinge um patamar espiritual elevado e consegue finalmente se desapegar do mundo material, mental e emocional, passa a ter um entendimento perfeito das coisas, sem ilusões.” Luís Malta Louceiro, filósofo e especialista em cultura indiana

 “Para a cabala - conjunto de princípios espirituais anterior às grandes religiões monoteístas -, a alma é imortal. Antes de nascer, assinamos uma espécie de contrato por meio do qual nos comprometemos a enfrentar determinadas situações desafiadoras que podem trazer tristezas e dificuldades, provações que contribuem para nosso aperfeiçoamento. Quando morremos, revisamos o que fizemos ou não na Terra antes de estar aptos a retornar.” Yonatan Shani, diretor do Kabbalah Centre do Brasil

Sob a perspectiva do candomblé contemporâneo , se o indivíduo leva uma vida imbuída de verdade, o pós-morte será uma extensão de suas ações, portanto, uma passagem confortável, sem julgamentos.” Babalorixá Kabila Aruanda

"Os muçulmanos acreditam que todos nascem puros e inocentes, com uma beleza inata e a capacidade de progredir e adquirir conhecimento. No entanto, possuímos o livre-arbítrio e seremos julgados pelas nossas ações no Dia do Juízo. A crença no Dia do Juízo significa que a morte não é o fim da vida, mas um portal para a vida eterna.” Ziauddin Sardar, autor de Em que Acreditam os Muçulmanos (Civilização Brasileira)

“No catolicismo morrer e ser ressuscitado significa chegar a uma ampliação plena da cognição, de tal maneira que, só na morte, a pessoa tenha a possibilidade de conhecer, com clareza total e absoluta, o significado e as consequências de sua vida vivida. Ela própria, junto com Deus e com base nos parâmetros dele, julga sua trajetória, percebendo, em que medida, correspondeu ou não às diretrizes divinas." Renold Blank, doutor em teologia e filosofia e professor emérito da Pontifícia Faculdade de Teologia de São Paulo

Estes depoimentos revelam que o elo entre as religiões se configura neste conceito da morte como uma passagem. Mesmo os que se dizem ateus, embora conservem sua descrença nas divindades, raciocinam sobre a possibilidade de algo além disto que vemos. Por fim fica claro que estar em contato com o divino independe de religião.

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