domingo, 17 de abril de 2011

Memórias de um Marinheiro Atrapalhado*



Muitas histórias para contar. Aventuras vividas ao longo de anos de atuação na Marinha Mercante. O velho marinheiro cruzou os sete mares colecionando conquistas e tropeços, com uma visão de mundo totalmente amplificada. Experimentou variados tipos de culinária, e com isso aguçou seu paladar. Aprendeu um pouquinho de outros idiomas pela força das circunstancias – sua necessidade de se comunicar era maior do que as barreiras da fala. Inglês de cais de porto, como costuma dizer. Muito interessante esta figura que fazia parte dos “Dez mais”, o ícone da vaidade masculina da época. Boêmio que sempre foi, jamais recusou uma chance de conhecer a noite local, bares e boates da moda, restaurantes  badalados e espetáculos concorridos.

O outro lado desta equação, as ausências freqüentes, não era sombrio como se poderia supor. Pelo contrário, conseguia ser presente e parte importante da memória afetiva dos filhos. E como ser sombrio, se quando voltava para casa tudo era festa? Afinal estava de folga! Cada chegada era sempre uma novidade, com muitos mimos dos lugares por onde passou, e suas partidas persistiam deixando saudades.

Nosso marinheiro não aprontou pouco. Muitos foram os episódios divertidos que testemunhamos a ponto de lhe atribuirmos a alcunha de “atrapalhado”, uma doce maneira de adjetivar a mais pura essência do “curtindo a vida adoidado”. É que olhando tudo da distancia dos anos, realizamos o quanto viveu o hoje sem pensar no amanhã, para o bem e para o mal. Então a vida se encarrega de escrever mais um capítulo das “Memórias de um Marinheiro atrapalhado”, e as gargalhadas deram lugar a um pouco de lágrimas que foram secas ao  longo do tempo, mas insistem em deixar marcas.

Fico imaginando como é ver a vida como se o mundo estivesse de cabeça para baixo. De repente nada mais faz o sentido que fazia – emocionalmente talvez, mas há a realidade física do seu corpo não mais responder integralmente aos comandos. As seqüelas de diversas doenças podem ser súbitas ou cronicamente evolutivas; em ambos os casos as limitações impostas muitas vezes são difíceis de lidar. É reaprender a tocar antigos instrumentos, olhar a vida de uma ótica forçosamente alterada. É complicado, quase deixar de ser o mesmo. Numa situação como esta os sentimentos se confundem e é preciso ter serenidade para manter a lucidez, num esforço coletivo.

E você, marinheiro, não permita que signifique o fim da história. Tome as rédeas, reescreva alguns capítulos e multiplique os novos. De um jeito ou de outro a vida segue em frente e as suas memórias servem de bússola para saber sempre quem você é.

*Título emprestado de texto original de Nonato Costa

2 comentários:

  1. Lindo texto, Sula! Nosso marinheiro é realmente um figura impar, marcante. Saiba que temos muito dele dentro de nós...Por várias vezes reconheço traços dele em mim (e gosto).Normal, né? rss Emfim, uma pessoa-exemplo para nos guiarmos, para o fazer e o não fazer na vida.Saúde, paciência e perseverança ao nosso Marujo!

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  2. Você, meu irmão, seguidor fiel, tem toda razão. Como disse, nosso marujo é o que é, para o bem e para o mal.

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