Ela
lida com a morte frequentemente. Por força do ofício aprendeu a criar certo
distanciamento, o mínimo para ter condições de apoiar as famílias que naquele momento
estão perdendo seus entes queridos. Isto mesmo; o mínimo. A morte a atinge como
a todos, lhe traz questionamentos, porém com o tempo ela transmutou isso numa
aproximação com o Divino. Sempre que perde um paciente, lhe dedica uma oração e
agradece a oportunidade de ter passado por sua vida. Assim vai segurando a
avalanche de emoções que vêm com o fim até onde enxergamos. Costuma dizer que
deveria fazer análise para exorcizar um certo peso que ao longo dos anos parece
se acumular, mas segue arrumando um
lugarzinho pra cada experiência no seu interior, como quem arruma um armário
cheio de gavetas extremamente organizadas até o dia em que aparece uma peça
grande demais, pesada demais e inesperada demais.
Caminhar
por aí com seus planos de futuro, comum à humanidade desde que se tem
conhecimento. É da curiosidade e da vontade de querer sempre mais que se
alimentam as grandes descobertas e os grandes avanços das sociedades. Olhar
para a frente e fazer planos é visceral, intuitivo, é dar o próximo passo. É
tido como sinal de responsabilidade e maturidade programar-se e ter provisões
para mais a diante. Tudo certo porque as expectativas pessoais não contemplam
possíveis obstáculos ou tragédias, doenças ou males de qualquer ordem. Pelo
contrário é quase que uma exigência que se viva com otimismo. E pensando bem é
difícil idealizar aquilo que se costuma chamar felicidade no esteio da certeza
de que tudo pode se acabar a qualquer momento.
É essa sensação que te assalta quando a vida joga na cara sua finitude,
sobretudo tendo como pano de fundo a dimensão materialista que sufoca o mundo
contemporâneo. Perde-se o chão, é como se estivesse indo do nada para lugar
nenhum e o amanhã fosse apenas uma ilusão. Está posto um grande dilema
existencial.
A
humanidade desenvolveu ao longo do tempo formas diversas de lidar com esse
dilema. Para as vertentes religiosas os conceitos de vida eterna ou de vida
após a morte servem como consolo. Para os mais céticos a crença de deixar sua
marca no mundo, através dos seus feitos e criações, de certa forma imortaliza. Retomando
o tema felicidade, é fácil constatar que a alegria de viver resiste a tudo
isso, pois se apoia naqueles que nos rodeiam, no amor que dedicamos a quem se
foi e que não se acaba, no sorriso que se estampa no rosto do filho caçula que
nada entendeu daquele momento. Talvez seja a consciência da temporalidade que dê
sentido à vida, por trazer ao ser humano a urgência em viver o hoje da melhor
maneira possível, de usar seu tempo na construção de algo que lhe seja valioso.
A certeza da finitude da vida, ora consciente, ora inconscientemente, acaba por
elevar a importância do hoje ao mais alto grau.
Apesar
disso, como simples mortais, pequenos diante de tantos mistérios no universo, não
passamos por essa etapa sem sofrimento pela dificuldade de lidar com as perdas.
São momentos realmente duros, de pôr em cheque a razão das coisas serem como
são, mas a verdade é que não está em nossas mãos o controle que muitas vezes
ilusionamos ter. Ainda mais quando a ordem tida como natural das coisas muitas
vezes é subvertida. Mais uma vez somos pegos de surpresa, arrancados da suposta
segurança do nosso mundo particular, sacudidos pela realidade. Dada a
inexorabilidade dos fatos nos resta recolher os cacos e usar a energia do tombo
para prosseguir.
E ela segue arrumando o armário das gavetas nem
sempre tão organizadas até o dia em que aparece
mais uma peça grande demais, pesada demais e inesperada demais.
Poxa, que texto!!!! Fiquei sem fôlego!! Parabéns pelo trabalho que realiza com tanto carinho e dedicação, prima!!
ResponderExcluirAdorei seu blog. Vou seguir!! Beijos e saudades. Méa
Prima, querida! antes tarde do que nunca te responder. Ando sem conseguir parar por aqui. Beijão!
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