Não é incomum ouvir mulheres com discurso
mais feminista citarem o desserviço prestado às meninas pelos contos de fadas.
Costumam apontar que tais histórias remetem a um tempo em que a sociedade era
absolutamente arcaica, com um poder exacerbado designado ao homem. Argumentam
que criam ilusões inatingíveis, e o que é pior, alimentam a crença, ainda que
subliminarmente, de que as mulheres são inferiores aos homens e nas mãos deles
está sua salvação.
Mais comum ainda é ver pais que repercutem
estas histórias incessantemente para suas crianças, valorizando sobretudo o
lado lúdico que deve sim ser estimulado na infância. Entendem que o que
predomina nestas histórias é de fato o amor e o encantamento. E persistem docemente
fazendo parte dos sonhos de toda menina.
Radicalismos à parte, engana-se quem pensa
que as historinhas são meramente inocentes. O psicanalista Bruno Bettelheim,
autor do livro A Psicanálise dos Contos
de Fadas, atesta que os contos de fadas guardam um significado importante,
capaz de influenciar com êxito a vida interior da criança. Conclui que é uma
mensagem múltipla a deixada por esse tipo de literatura; lutar contra as
dificuldades na vida é inevitável, faz parte de toda existência, mas quando a
pessoa não se intimida e enfrenta com firmeza os desafios, acaba alcançando a
vitória. Conceitos de bem e mal, de morte e de justiça também são amplamente
explorados nos contos de fadas.
Voltando à questão feminista, a retaliação
reside no fato de as histórias mostrarem mulheres vulneráveis, que precisam de
príncipes para se realizarem, e que por eles são salvas, além das reservas ao felizes para sempre. Mesmo deixando no
inconsciente a idéia de que a felicidade está lá no fim do arco-íris, os contos
de fada não são, com perdão do trocadilho, o bicho papão da formação feminina. Além
disso eles vêm acompanhando as mudanças da sociedade, mostrando uma mulher cada
vez mais atuante, segura e tomando seus destinos em suas mãos. A primeira
princesa Disney, Branca de Neve, ingênua ao cair na armadilha da madrasta e só
desperta após o beijo do príncipe. Aurora adormece por longos anos até ser
depertada também pelo seu príncipe encantado. No conto da Cinderela a mocinha
já aparece com mais atitude, mesmo no borralho não deixa de sonhar, é corajosa
ao partir incógnita para o baile, ainda que necessite da interferência da fada
madrinha e mais uma vez um príncipe defina seu destino. Provando que o tempo
traz mudanças, a Bela é quem salva a Fera e lhe mostra a alegria de viver e o
poder do amor; assim como a Ariel, que embora troque sua voz para se tornar
humana e assim poder estar com o homem que ama, foi agente de sua história todo
o tempo, longe da postura passiva de antes. A mais recente representante na
evolução feminina nos contos de fadas é Tiana; mulher, negra, batalhadora, que
passa a maior parte da história na forma de sapo, regenera o príncipe e mesmo
ao se tornar princesa não abre mão de seu trabalho.
Assim caminham os contos de fadas; encantando
milhares de crianças ao redor do mundo e de alguma forma retratando os caminhos
da mulher na sociedade.