Uol entretenimento
Acho que era sonho. Estava
vivendo num mundo fantástico onde tudo parecia possível.
De repente me vi cercada por
meninos de rua. Estranhamente não sentia medo – apesar daquele jeito um tanto
aterrorizante do grupo, conseguia enxergar algo de inocente e humano naquelas
figuras – afinal eram crianças. Pedro Bala, Pirulito, João Grande e Dora aos
poucos foram se desvendando à minha frente. Eram fruto de uma sociedade que não
sabia o que fazer com seus marginalizados e se tornaram de certa forma heróis a
la Robin Hood. No reformatório aprenderam toda sorte de crueldade, mas também
aprenderam a cuidar uns dos outros e talvez fosse isso que tornasse possível
vê-los como meninos. Através deles pude enxergar o que ia além das paredes do
meu apartamento, do quartinho das minhas filhas, da proteção do meu condomínio
e dos vidros fechados do meu carro. A desigualdade social era mãe daqueles
garotos, e a falta de oportunidades marcou definitivamente seus destinos. Por
sorte iriam crescer e cada um tomar seu rumo, bom ou ruim, só o tempo iria
dizer.
Continuei como que flutuando,
mas tinha certeza que estava na Bahia e eram tempos de cacau quando ouvi
pronunciar o nome de um tal Coronel Boaventura. Quem o chamava era um tal
Capitão Natário, que vinha chegando com dona Zilda, Bernarda e as crianças.
Aquilo me chocou um pouco, mas para os padrões da época e para a região era
normal. Ali era comum se amasiar, já que não tinha Igreja nem padre, e esses
arranjos de família apareciam aos bocados. Encantador mesmo eram os romances
que surgiam em meio a tanta disputa de terra e lei de jagunço. Apesar das
inúmeras desgraças que se abateram sobre aquelas terras; enchente, peste e
invasão, a força do sertanejo sempre se fazia presente.
E por falar em força precisei
de muita para não cair naquela fofoca. Era domingo de carnaval e morrera um tal
Vadinho, rebelde, irreverente e impulsivo, conhecida figura da boemia de
Salvador. Dizia-se a boca pequena que sua esposa, Dona Flor, cozinheira de mão
cheia, dividiria o velório do defunto com mais um sem número de amantes. A
viúva oficial guardou longo luto e aos poucos voltou a se abrir para o mundo.
Aí que entra Teodoro, o farmacêutico, exata antítese de Vadinho. Ainda assim
contraíram matrimônio, Teodoro e Flor, pouco tempo depois de um casto noivado. Não há como saber ao certo, mas fato
é que Dona Flor passou a ver seu falecido marido e tê-lo no seu leito com
Teodoro. No princípio tentou negar e reprimir, mas a coisa tornou-se tão real e
irresistível que passaram a manter um casamento a três em perfeito equilíbrio
(com a ressalva de que Teodoro nada sabia). Esse sim é um grande exemplo de
como as diferenças podem conviver em harmonia, equilibradas por uma mulher.
Aliás, mulher é um bicho
esquisito mesmo. De passagem pelo Vesúvio, ouvi por aquelas bandas a história
de uma chamada Gabriela. Conta o povo que ela moça simplória e com dotes
culinários invejáveis agarrou pelo coração e pelo estômago o sírio (e não turco)
Nacib. O problema é que parece que não arrebatou apenas ele, e sim encheu de
desejos vários senhores da cidade. O rebuliço que se seguiu na cidade de Ilhéus
ressoa até hoje. Ainda mais numa terra em que a honra era lavada com sangue,
como se pôde ver nas mortes dos amantes Osmundo e Sinhazinha pelas mãos do Coronel
Jesuíno. Terra de mulheres fortes como a impetuosa Malvina ou a voluptuosa
Maria Machadão. Terra também de disputas políticas acirradas como as que
rivalizavam Ramiro Bastos e Mundinho Falcão. Tudo isso para dizer que mulher é
um bicho esquisito mesmo, ou por outra, Gabriela não era mulher de se adaptar a
uma vida regrada de mulher casada daquela época. Mesmo cortejada e desposada
por Nacib, sucumbiu a sua natureza nos braços de Tonico Bastos. Prova de que
não é de hoje que a mulher não toma cabresto.
E outra mulher avessa aos
cabrestos apareceu diante de mim. Seu nome era Tieta. Vivera aventuras amorosas
na juventude que escandalizaram a pequena Santana do Agreste. Acabou expulsa da
cidade por seu pai, Zé Esteves, depois de ser denunciada pela irmã mais velha,
a rancorosa Perpétua. Agora voltava para as areias do seu passado, rica e
poderosa, causando mais uma vez rebuliço em sua cidade natal. A rotina da
cidade foi transformada pela presença de sua ilustre filha, que se tornou
benfeitora por sua grande generosidade. Por outro lado voltou a chocar com sua
tórrida paixão por Cardo, o sobrinho seminarista. A força do feminino se revela
mais uma vez, pois apesar de ser obrigada a deixar a cidade mais uma vez
inesperadamente após o segredo de sua vida ser revelado, Santana do agreste
jamais seria a mesma.
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