sábado, 30 de março de 2013

TEMPO DE DESACELERAR





http://amorciumedesejo.blogspot.com.br

A humanidade chegou num ponto delicado. Considere todo o avanço tecnológico que já se tem hoje e veja como se contrapõe ao retrocesso percebido nas relações interpessoais; acelerou-se o conhecimento e a informação, em contrapartida deu-se um distanciamento entre as pessoas. Questionar as raízes dessa condição é crucial e faz parte do crescimento, a única possibilidade de revertê-la. Em tal processo vislumbra-se o imediatismo parece estar permeando esse caminho.

Nada mais carece ser fermentado, apurado ou curtido. Ninguém quer mais quer experimentar aquela troca de olhares já se quer a conjunção carnal no primeiro ato. Sentar para um bom papo com um interlocutor de carne e osso deu lugar a trocar mensagens com muitos ao mesmo tempo, conversas cibernéticas, beijos falados e figurados em lugar de tocados.  Não se tem mais tempo nem paciência para ser contemplativo, para se aprofundar nas questões e nas pessoas. Como resultado colhe-se a superficialidade, e por não haver mais tempo para se ouvir, sobram os conflitos. Aquele mesmo conflito que é pai e mãe das guerras entre as nações  e  da selvageria que se testemunha nas grandes cidades. Pai e mãe da violência urbana, da politicagem e da descrença nas instituições. Reina a incapacidade de se colocar no lugar do outro, de exercitar o perdão e a benevolência.

 A boa notícia é que tem sempre um último romântico por aí e num trabalho de formiguinha é capaz de contagiar os que estão à sua volta. Quem sabe assim nos lançamos numa onda positiva onde o velho nos alcança de novo, nada mais é imediato, o consumo desenfreado perde seu espaço e com ele o materialismo extremo. O equilíbrio se torna possível; entre ser e ter, ouvir e falar, enfrentar e recuar, divergir e concordar. E o que era belo retoma seu valor. Não é preciso mais tanta pressa pois o que realmente importa está aqui pertinho; o calor da família e dos amigos, a emoção do abraço de um filho, a possibilidade de assistir a um pôr do sol, poder saborear um prato especial, ler um bom livro, conhecer seu vizinho, se relacionar com bom humor, enfim, estar disponível para a vida.

sábado, 9 de março de 2013

ADEUS AO MARTÍRIO NOSSO DE CADA DIA



Lá vem ela de novo. A multimulher é um ser com vida própria e anda por aí nas suas pequenas batalhas cotidianas. Com todas as conquistas que as mulheres conseguiram nas últimas décadas foram se acumulando as tarefas e os interesses. Houve um tempo em que enxergou apenas a multiplicidade de tarefas, a árdua missão de equilibrar a rotina de mãe, mulher e profissional. Essa noção mudou um pouco ao longo do tempo e a partir da percepção de que não se tratava de uma simples executora da sua rotina. A multimulher passou a se entender como uma pessoa multi-interessada, pondo seu coração e sua mente em tudo que faz (em que pese todo o trabalho braçal embutido nisto). Multimulher, multi-interessada ou multi-atarefada, sua palavra de ordem permanece sendo a multiplicidade; de papéis, de sentimentos e de expectativas.

Ah, as expetcativas! É próprio do ser humano tê-las, em relação a si e aos outros. Estas são causadoras de um sem número de cobranças, e ser seu próprio credor pode ser uma armadilha difícil de se desvencilhar. Provavelmente por conta desta situação todas tenham se exigido tanto – manter a excelência em tudo que fazem; serem supermães, profissionais de sucessos ascendendo em seu campo de tarbalho, amigas isuperáveis, filhas abnegadas onipresentes ou amantes espetaculares (não necessariamente nesta ordem, mas quase sempre tudo ao mesmo tempo). Chegadas a um dilema e a uma certa culpa, degladiam-se diuturnamente com a realidade – a inabalável impossibilidade de ser cem por cento em tudo.

O problema é que custa chegar a essa conclusão. e ainda que muitas permaneçam desencontradas desta até reconfortante constatação, outras estão encarando com muito jogo de cintura esta nova ordem. Convencer-se é um passo rodeado de questionamentos cujas respostas nem sempre são óbvias. Mas por que dar o suficiente de si não basta? Por que querer dar incessantemente sempre mais de si em tudo? Será que leveza e tranquilidade não são possíveis? Claro que são! Desce da linha de montagem e busca satisfação sem megalomanias. O tempo agora é de ser o que se pode e aproveitar a vida. a passagem por esse mundo é muito rápida, não há espaço nem tempo para ficar apegada ao pequeno martírio nosso de cada dia. Viver com coerência e dedicação continua sendo uma tônica, contudo sem o estresse de querer ser o máximo em tudo todo o tempo. Existirão altos e baixos, uma coisa compensando a outra, e assim a terra segue girando.


quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

MOTIVO DA AÇÃO - MOTIVAÇÃO


GUEST POST

De autoria de Nonato Costa, reflexões da maturidade.




Há muito penso a respeito de como a motivação perante a vida influencia a forma como a encaramos. Algumas situações parecem ter um peso enorme para uns enquanto para outros é como se fosse brincar de viver, de desafiar... Um amigo sempre me dizia: “Cara, tudo depende da sua motivação”. Hoje mais uma vez realizo que ele estava certíssimo! Nossas vidas mudam bastante. Particularmente, minha rotina praticamente virou pelo avesso nos últimos anos. Do mundo mais fácil e dito previsível para uma ciranda louca envolvendo saída de casa, nova cidade, novo trabalho, novo parceiro, nascimento de filho, perda de pai...ufa! Tantas coisas! Isso me atentando apenas aos fatos principais. Pois então, em diferentes situações, a questão da forma de encarar as coisas, mesmo às vezes um pouco esfumaçada pela velocidade dos acontecimentos, esteve presente como “Àgua mole, pedra dura. Tanto bate até que fura”. Branda, quase imperceptível, mas incessante. Agora, com uma suposta calmaria, pelo menos enquanto novo turbilhão não chega, consigo focar mais na tal motivação. Procuro sempre curtir as situações. Penso no que estou vivendo, extraio as coisas boas e percebo que há uma razão para tudo. Aliás, tudo tem sua hora certa de acontecer. Vivo aberto, sem estresse, "na maresia", como se diz na minha amada Salvador. Olhos abertos, vezes fechados “viajando”, sonhando e acreditando que no final dá tudo certo! E, parodiando o palhaço Topetão (meu filho adora!), se não deu certo é porque o final ainda não chegou!

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

CINZAS DE UMA QUARTA-FEIRA

inglesecultura.blogspot.com




“É tão difícil olhar o mundo e ver o que ainda existe, pois sem você meu mundo é diferente, minha alegria é triste!”

Esta frase me é um tanto recorrente, parte de uma canção dos áureos tempos do Rei, simboliza bem um sentimento ora conflituoso que trago nesses dias de festa e animação. Como aqueles que se foram estão sempre em nossa memória, é comum vir à tona uma lembrança nos momentos de alegria, como em pleno Carnaval, no meio da folia, principalmente quando quem partiu também era súdito de Momo. Daí a mistura de emoções.

Pode ser uma música, um filme ou até mesmo uma palavra solta, qualquer coisa serve de gatilho para uma avalanche de recordações. E você ali, às vezes com tanta gente ao redor, contudo absolutamente sozinho, mergulhado em si mesmo, numa solidão só sua. Como é possível alguém tão importante repentinamente não estar mais ali, você meio que paralisado em sua dor, e tudo em volta continuar no mesmo ciclo circadiano de sempre.

Em geral tento fugir da palavra culpa, mas ela também teima em vir à minha mente. Um pensamento que invade feito uma sombra e que é na verdade um questionamento interno: como ainda ter alegria quando se viveu uma tristeza tão profunda? Considero uma coisa natural, não há mesmo como e não se deseja esquecer, então o melhor que fazemos é cultivar as boas lembranças, aquelas que nos acalenta.

Mais difícil para uns, menos penoso para outros, a verdade é que o luto é uma apropriação absolutamente individual. Apesar disso uma coisa é fato; a vida segue em frente. E com ela surgem todas as alegrias, decepções, dificuldades, altos e baixos. Aquela pessoa com quem vivemos uma relação de tanto carinho certamente estaria feliz por nos ver bem. As pessoas que ainda nos cercam e que nos motivam merecem nosso sorriso aberto. É em nome desse desejo que tocar em frente se torna possível, mais que isso, necessário, mesmo nas cinzas de uma quarta-feira. 

domingo, 27 de janeiro de 2013

MARCAS DE UMA VIDA


Nenhum de nós sabe que marca deixará no outro. E isso muitas vezes pode ser surpreendente.

Ele era um cara comum. Queria para sua vida todas as vitórias que a gente habitualmente deseja. Tinha, como um cara comum, muitos defeitos e muitas qualidades, estas últimas causando mais impacto do que os defeitos. Uma característica marcante, e que talvez por isso ambígua, era ser orgulhoso (dependendo do ponto de vista, ou por outra, da intensidade, isso pode navegar tranquilamente entre o positivo e o negativo). Orgulhoso para não pedir ajuda a ninguém, para não admitir suas fraquezas e para cortar-lhe a própria carne para afastar o dissonante, mas também orgulhoso pelas vitórias dos que lhe eram caros, por lutar o bom combate e por de certa forma ser um sobrevivente.

Lembro bem de outra faceta – vivia o hoje intensamente. Dizia levar a vida na flauta (demorei um tanto para entender o significado desta expressão).   Com isso protagonizou episódios hilários, como quando dirigiu mais de setecentos quilômetros num só dia apenas para dar um mergulho na praia de Atalaia. Ou como o dia em que chorou vendo na televisão passar Os Filhos de Gandhi, do outro lado da baía. E quando em pleno Terraço Itália chamou o maitre para dizer  que a comida estava quase perfeita, mas estava faltando farinha.

Os ouvidos eram bem alimentados; gostava Billy Holliday, Ella Fitzgerald, Sarah Vaugan e Frank Sinatra. Sobrava espaço para Paulinho da Viola, Chico Buarque e tantos outros que embalaram sua geração. Uma geração ligada em roupas de bom corte e sapatos de couro legítimo, que sabia dar valor a um bom linho. Não por acaso havia feito parte dos Dez Mais ( era como se denominava o grupo de rapazes bem vestidos que se encontrava na Rua Chile nos saudosos anos 60).

E a paixão pelo mar, incansável e inabalável, um dos grandes prazeres, trabalho e lazer. Usava com frequência a expressão “tombo do mar” para descrever e valorizar seu ganha-pão.

Dedicação à família era uma característica imperiosa. Com todo apreço pela boemia e toda a curiosidade com o mundo que o cercava, o convívio familiar consistia num porto seguro e estava acima de todas as coisas. Essa convivência representou um grande aprendizado mútuo e sobremaneira moldou a forma que seus filhos conceituam família.


E amou, amou demais e deixa essa sim a grande marca nos seus, a quem se dedicou a vida inteira. Vem sempre à mente a canção de Sinatra – “amei, sorri, chorei , cometi meus erros, tive minhas perdas e fiz isso do meu jeito”.

domingo, 20 de janeiro de 2013

CARA LUCIDEZ


Cara Lucidez,

Prometemos um casamento eterno, que apenas a morte seria capaz de nos separar, mas como em todas as uniões, alguma das partes acaba por se retirar primeiro.

A vida inteira pensei que chegar à velhice só valeria à pena se guardasse minha lucidez. Costumava dizer que não queria dar trabalho a ninguém. Para o bem ou para o mal, ninguém prevê o que o futuro nos reserva.

Muito cedo precisei agarrar as rédeas de meu destino. A inocência de outrora deu lugar a uma maturidade precoce nascida da necessidade. Certamente por isso nunca tivesse tido medo de trabalho, acumulando jornadas por longo tempo. Imaginava que isso era bom uma vez que mantinha a mente em plena atividade.

Conheci muita gente boa pelo caminho, vivi intensamente alegrias e tristezas, viajei pelo mundo. Tanta coisa foi acontecendo e eu me sentindo cada vez mais dona da situação. Servi de exemplo para filhos e netos, tornei-me símbolo de longevidade.

Tudo isso também teve um preço. Assistir a partida de tantas pessoas queridas pesou muito a jornada. Essa é uma parte especialmente difícil; aqueles que compõem sua história vão sumindo e com eles uma parte de você.

Eu aguento tudo, firme, embora o corpo já não responda na velocidade que o pensamento corre. E quando imagino que a proximidade do fim não nos separará, eis que nos perdemos uma da outra.

Sem você, cara lucidez, passo a ser a sombra de quem um dia fui, vagando em alguma realidade paralela onde nem eu mesma me reconheço. O único consolo de estar distante de você é que em seu lugar surge uma inocência quase infantil e com ela eu sigo sem lamentações. 

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

E A VIDA CONTINUA


Toda virada de ano é a mesma coisa; junta-se esperanças de que tudo poderá ser diferente, ainda que o último dia do ano jamais seja um ponto, mesmo que de continuação. Para o bem ou para o mal não há como apagar tudo e reescrever de onde parou. É preciso seguir lidando com velhas frustrações que aos poucos podem dar espaço a novas realizações, mas essa atmosfera de renovação é muito bem vinda, impulsiona sonhos e projetos, além de ser capaz de manter acesa a chama interior que faz todo ser humano ir em frente.

Confraternizar com a família e os amigos é um modo de alimentar essa energia boa de fim de ano. É um tempo de deixar transbordar o amor que une uns aos outros, mas é um tempo também de expurgar fantasmas e acertar as contas, com o presente e muitas vezes com o passado. É possível que esta catarse proporcione rupturas, as quais a longo prazo se mostram necessárias para um convívio mais verdadeiro entre as pessoas. Remexer no passado e tocar velhas feridas pode soar doloroso, algo para ser evitado a todo custo, contudo pode nascer daí a possibilidade de conhecer melhor a si e aos que te cercam. No final permanece a força dos laços indissolúveis que mantém as pessoas agarradas umas às outras.

É um tempo também de rever os rumos no âmbito profissional, se perguntar se está no caminho certo, se o que se tem é o que se quer. Questionamentos como esses podem abalar alicerces tidos como firmes, e isto mais uma vez pode ser a mola propulsora para uma guinada. Revirar esse baú pode ser o passo que faltava para uma transformação desejada e necessária.

Impossível não pensar no mundo como um todo, o que está sendo feito de nossa sociedade e quais as alternativas para manter os ideais de igualdade entre os povos. Pensar também nas alternativas de desenvolvimento sustentável e conservação dos patrimônios da humanidade para que nossa história continue sendo contada muito tempo adiante.

À parte as mutações inevitáveis e estimadas, há toda uma gama de coisas que Jamais mudam, e com o tempo vai se acomodando à rotina diária e se adaptando à linha de montagem cotidiana. Ainda assim é crucial distinguir o que pode e deve ser mudado daquelas coisas que precisam permanecer como são, sem deixar-se abater e sem se entregar ao comodismo e à inércia. Durante os mais de trezentos e sessenta dias restantes é importante reavivar aquele sentimento de que tudo pode dar certo, manter a cabeça erguida e o coração cheio de boas energias para encarar o mundo sempre com esse olhar para fazer o ano verdadeiramente feliz e novo. Afinal a vida sempre continua. 


segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

ASSIM CAMINHAM OS CONTOS DE FADAS



Não é incomum ouvir mulheres com discurso mais feminista citarem o desserviço prestado às meninas pelos contos de fadas. Costumam apontar que tais histórias remetem a um tempo em que a sociedade era absolutamente arcaica, com um poder exacerbado designado ao homem. Argumentam que criam ilusões inatingíveis, e o que é pior, alimentam a crença, ainda que subliminarmente, de que as mulheres são inferiores aos homens e nas mãos deles está sua salvação.

Mais comum ainda é ver pais que repercutem estas histórias incessantemente para suas crianças, valorizando sobretudo o lado lúdico que deve sim ser estimulado na infância. Entendem que o que predomina nestas histórias é de fato o amor e o encantamento. E persistem docemente fazendo parte dos sonhos de toda menina.

Radicalismos à parte, engana-se quem pensa que as historinhas são meramente inocentes. O psicanalista Bruno Bettelheim, autor do livro A Psicanálise dos Contos de Fadas, atesta que os contos de fadas guardam um significado importante, capaz de influenciar com êxito a vida interior da criança. Conclui que é uma mensagem múltipla a deixada por esse tipo de literatura; lutar contra as dificuldades na vida é inevitável, faz parte de toda existência, mas quando a pessoa não se intimida e enfrenta com firmeza os desafios, acaba alcançando a vitória. Conceitos de bem e mal, de morte e de justiça também são amplamente explorados nos contos de fadas.

Voltando à questão feminista, a retaliação reside no fato de as histórias mostrarem mulheres vulneráveis, que precisam de príncipes para se realizarem, e que por eles são salvas, além das reservas ao felizes para sempre. Mesmo deixando no inconsciente a idéia de que a felicidade está lá no fim do arco-íris, os contos de fada não são, com perdão do trocadilho, o bicho papão da formação feminina. Além disso eles vêm acompanhando as mudanças da sociedade, mostrando uma mulher cada vez mais atuante, segura e tomando seus destinos em suas mãos. A primeira princesa Disney, Branca de Neve, ingênua ao cair na armadilha da madrasta e só desperta após o beijo do príncipe. Aurora adormece por longos anos até ser depertada também pelo seu príncipe encantado. No conto da Cinderela a mocinha já aparece com mais atitude, mesmo no borralho não deixa de sonhar, é corajosa ao partir incógnita para o baile, ainda que necessite da interferência da fada madrinha e mais uma vez um príncipe defina seu destino. Provando que o tempo traz mudanças, a Bela é quem salva a Fera e lhe mostra a alegria de viver e o poder do amor; assim como a Ariel, que embora troque sua voz para se tornar humana e assim poder estar com o homem que ama, foi agente de sua história todo o tempo, longe da postura passiva de antes. A mais recente representante na evolução feminina nos contos de fadas é Tiana; mulher, negra, batalhadora, que passa a maior parte da história na forma de sapo, regenera o príncipe e mesmo ao se tornar princesa não abre mão de seu trabalho.

Assim caminham os contos de fadas; encantando milhares de crianças ao redor do mundo e de alguma forma retratando os caminhos da mulher na sociedade.


domingo, 9 de dezembro de 2012

ONDE ANDA VOCÊ


Existem coisas das quais apenas crianças são capazes. Sentir a vida com pureza e encarar tudo de uma forma singela é experiência genuinamente infantil e que em alguma proporção se leva para a vida adulta; uns mais e outros menos. Mergulhar nesse passado pode ser desafiador e muitas vezes frustrante, já que para a maioria dos adultos o distanciamento daquele ser que foi na infância é quase abissal.

Vários aspectos de sua vida foram planejados quando brincar era sua única obrigação. É comum, por exemplo, se falar no que vai seguir profissionalmente quando crescer. Obviamente muita coisa é surreal, absolutamente fora da realidade e por tanto não factível. Outras coisas até são possíveis, mas olhando um pouco mais friamente percebe-se estar aquém do que seria uma ambição mínima para o futuro. O restante, em menor número, fica para aqueles que desde pequeninho já apontava para o que seguiria e vai em frente, graças às circunstâncias, estilo de vida da família e apoio dos pais. Questões menos palpáveis que a profissão, porém não menos importantes também vão se perdendo no caminho. O amor incondicional pelos pais provavelmente sobreviveu, contudo quando foi que você deixou de dar o beijo mais melado e o abraço mais quente que podia existir? Deve ter sido na mesma época em que descobriu que sua mãe não era a única mulher no mundo e seu pai não era um super-herói de verdade. Aquele jeito que só na infância você resolvia os conflitos com os amiguinhos, com generosidade, sem interesses escusos, onde ficou? A crença indelével de que podia fazer diferença no mundo sumiu sem que ao menos se desse conta. Envolver-se com pessoas e situações de corpo e alma, sem reservas deixou de ser uma atitude usual? Sorrir francamente e nem saber o que são meias palavras há muito tempo passou a caso raro em sua correria diária.

Com tanta gente grande se identificando com perdas como essas é impossível não se imaginar que esse seja o caminho natural, próprio do amadurecimento.  Provavelmente muita mudança na forma de encarar a vida sejam de fato inevitáveis e mesmo necessárias; escolher a profissão com mais frieza, pesando gosto pessoal e retorno financeiro é uma estratégia apropriada para prover seu sustento, encarar que papai e mamãe não sabem tudo é um rito de passagem, ter uma certa malícia na hora de resolver conflitos é uma questão até de sobrevivência, envolver-se abertamente com tudo e com todos muitas vezes é uma maneira de se tornar vulnerável num mundo que lhe exige força e postura, e ponderar o que diz, dosar as palavras é importante em muitas situações e socialmente  requerido.

A maturidade vem, de um jeito ou de outro, porém crescer não pode significar perder sua essência, não significa que vá se perder o genuíno comprometimento com aquilo em que você acredita. Aninhar-se no colo dos pais sempre será um refúgio que traduz o poder e a importância desta relação que foi a primeira experimentada na vida. E de alguma maneira sua mãe é única e seu pai sempre tem uma porção herói. Mais que tudo, não perder de vista que ainda se pode mudar o mundo, sempre, com cada atitude no seu dia-a-dia e principalmente na maneira que apresenta a vida às novas gerações. Talvez perceba que precisa se reconciliar consigo mesmo, transformar o olhar para a criança que você foi num momento tranquilo, e isso sim é crescer.


domingo, 25 de novembro de 2012

DORES E DELÍCIAS


Lá vem ela de novo. Essa multimulher não para nem por um segundo, até seu sono é produtivo ( e ai dele se não for!). Mas como falar de dores e delícias sem falar da multimulher, o protótipo da ambiguidade.  No campo maternidade então, essa assertiva se realiza plenamente.

Ser mãe tem tudo a ver com a letra de Caetano Veloso que diz “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”, até porque, com perdão do trocadilho, a maternidade tem seu dom de iludir, e também por isso é uma aventura maravilhosa.

A gestação, à parte a possibilidade dos enjôos, mal estar e repouso forçado para algumas, é uma ilusão fantástica. Está ali o pequenino ser no ventre, podendo ser levado a qualquer lugar, obediente e sob controle. A áurea sublime que cerca esse momento parece ser uma trégua providencial para o dia em que seu bebê vem ao mundo se seu peito racha, sua bexiga dói e seus olhos pesam. Até você, que nunca curtiu uma rave vai curtir a noitada e vai entrar em alfa ao trocar olhares com aquela pessoinha na madrugada. (Parênteses para alerta: depois das primeiras noites, já estabelecida a relação, opte por não estabelecer contato visual, não acenda luzes e faça o mínimo barulho possível; verá que é mais fácil fazer o rebento dormir novamente). Ainda assim, sentir-se realizada é a tônica.

Com crianças pequenas o trabalho braçal é enorme, muitas vezes parece se estar correndo num carrossel de hamster; não há como descer. E é mesmo um processo que se autoalimenta; acorda, dá comida, dá banho, brinca, se suja dá mais banho, mais comida, brinca, se suja... não sem um beijinho gostoso com a sinceridade que só criança tem, um abraço com aquela mão de chocolate e aquela exclusiva troca de olhar. E nas noites febris vem tanto aperto no coração (mesmo que você chega médica, e pediatra; esta ainda pior pela quantidade de possibilidades diagnósticas que lhe vem à cabeça), trocaria de lugar facilmente e faria qualquer coisa para devolver-lhe o bem-estar. Felizmente há a incrível capacidade de recuperação das crianças, e com ela o retorno da tranquilidade. Quem sempre foi cheia de nove horas para tudo, agora põe a mão em cocô, xixi e toda sorte de secreções sem cerimônia. E está tudo certo!
           
Para as mães dos maiores entra em cena mais uma tarefa, a de motorista. É um tal de leva para a escola, da escola para a natação, daí para o balé e depois ainda tem a aula de inglês, de robótica, de judô, e um sem número de coisas que esses pequenos executivos fazem nos dias de hoje. A multimulher supira cansada, a esta altura já não se culpa por querer dar uma parada de vez em quando, mas a cumplicidade continua, e se sente a alegria da missão sendo cumprida e ver que contribui para entregar ao mundo um ser humano valoroso.

A vida segue, e provavelmente algum dia a angústia do ninho vazio vai passar por aquela mulher, contudo a sua essência multi-interessada a fará ter outros focos para colocar sua energia, embora sempre exercendo a maternidade, ainda que posicionada de uma outra forma. Tudo porque aquela primeira troca de olhar simboliza um laço absolutamente insolúvel e faz parte das delícias da maternidade, que estão acima de todas as dores.