sexta-feira, 2 de novembro de 2012

REPONDO AS PENAS DO ANTIGO COCAR


Não se conta a história do Brasil sem que se fale dos índios que aqui já viviam antes de qualquer linha ser escrita. Diversas tribos que cultivavam seu alimento, passavam sua cultura de geração em geração e cultuavam seus deuses. A chegada de outros povos a esta terra rechaçou os índios, que não se adaptaram ao aculturamento promovido pelos europeus, e foram cada vez mais adentrando o continente. Com o tempo populações indígenas inteiras foram dizimadas na busca por terras de colonos, seguidos de garimpeiros e grileiros.

Oportuno lembrar a riqueza desta cultura, tantas línguas, hábitos e costumes diferentes do que conhecemos. São várias etnias, Carajás, Caiapós, Guaranis, Ianomamis e Tupis. Precisaram se adequar, de forma que grande parte deles acabou com as crenças esfaceladas e invadidas. Os que resistem passaram a ter que confrontar o cotidiano nas aldeias com a incersão social dos seus povos nas cidades com predomínio dos não-indígenas. Para esta resistência é fundamental preservar suas tradições, suas músicas e instrumentos musicais e seua rituais. Nestas aldeias o Pajé ainda é sábio e uma espécie de sacerdote, os alimentos são cultivados de forma artesanal e a relação com a natureza é mais harmônica. Tudo isso fica sob ameaça por interação com a sociedade em torno. Daquilo que foram há séculos, restam pouco mais de 220 sociedades indígenas pelo país.

Apesar desta realidade ser absolutamente pública, de séculos mais tarde existir uma unificação da miscigenada população brasileira e da Constituição datada de 1988 reconhecer direitos específicos dos povos indígenas, ainda se vê cenário semelhante. Ao longo do tempo tais terras, predominantemente nos estados do Amazonas e Mato Grosso do Sul, transformaram-se em grandes latifúndios, nas mãos de agricultores produtivos, o que é considerado importante para o desenvolvimento dessas regiões. O reconhecimento da propriedade ancestral destas terras se esbarra num conflito de difícil solução. Ir de encontro aos que detém o poder econômico não tem sido a tônica dos sucessivos governos, e enquanto não houver este enfrentamento os conflitos continuarão, cada vez mais sangrentos, com a derrota óbvia dos mais desprotegidos. E com uma derrota mais sutil, a do povo brasileiro por perder mais um pedaço de sua identidade.

Episódios recentes deram nova força à vozes indígenas, com a decisão da Justiça Federal em que os índios Guarani-kaiowá poderão permanecer na área ocupada pela Fazenda Cambará, no Mato Grosso do Sul. Reacendeu-se a discussão após apelo de grupos indígenas que diziam preferir ser mortos do que sair da terra tradicionalmente ocupada por seu povo, até porque a decisão da justiça é temporária, mantendo-os em apenas um hectare de terra, metade do que ocupavam anteriormente, enquanto não se define a legalidade da ocupação do local.  Não deixa de ser um tipo de preconceito racial sim imaginar que a cultura indígena deva ser esquecida pelos índios em nome de adotar um estilo de vida mais cosmopolita. Este tipo de pensamento já foi chamado de etnocídio, e o que é pior, feito de forma absurdamente compulsória. A luta é antiga e ganha novo fôlego em direção à necessidade de demarcação das terras com brevidade. Como envolve muitos interesses e de grandes produtores, é preciso um pacto da sociedade, como disse a atual presidente da Funai. Não basta vir uma decisão vertical, é necessário mobilizar dinheiro para retomar propriedades, é preciso que as partes tenham um entendimento de que são sacrifícios em prol da reparação e resgate desta parte de nossa história. É como pintar a cara e partir para a luta, repor as penas de um antigo cocar.

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